Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” apresentada hoje é
o primeiro documento do novo papa e traça o caminho para a Santa Sé nos
próximos anos. Documento propõe “nova etapa de evangelização” e “conversão” da
Igreja.
Cidade do Vaticano
– Jorge Bergoglio lança um projeto de “conversão do papado”, propõe a
“descentralização” da Igreja e apresenta o plano da maior reforma feita no
Vaticano em pelo menos meio século. No primeiro documento de seu próprio punho
apresentado hoje, o papa Francisco explica em mais de 200 páginas seu projeto
para o futuro da Igreja, lançando duros ataques contra sacerdotes e denunciando
a guerra pelo poder dentro dos muros da Santa Sé.
“Desejo
dirigir-me aos fieis cristãos para convidá-los a uma nova etapa de
evangelização marcada por esta alegria e indica direções para o caminho da
Igreja nos próximos anos”, escreveu em sua Exortação Apostólica publicada hoje,
26 de novembro de 2013, o Evangelii
Gaudium do Santo Padre Francisco aos Bispos, Presbíteros, Diáconos às pessoas
consagradas e aos fieis laicos sobre o Anuncio do Evangelho no Mundo Atual.
“É uma nova evangelização no mundo de hoje, insistindo nos aspectos positivos e
otimismo”, explicou o cardeal Rino Fisichella, presidente do Conselho
Pontifical para a Nova Evangelização e que admite que o papa é “franco”. “O
centro é o amor”, insistiu. “Sem isso, a Igreja é um castelo de cartas e
isso é o nosso maior perigo”, declarou.
Em seu texto, Francisco
apela à Igreja a “recuperar a frescura original do Evangelho”, mas encontrando
“novas formas” e “métodos criativos”. “Precisamos de uma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como elas são”.
Uma parte
central de seu trabalho será o de “reformar as estruturas eclesiais” para que
“todas se tornem mais missionárias”.
O recado é
claro: promover uma “saudável descentralização” na Igreja, num gesto inédito
vindo justamente da pessoa que representou por séculos a centralização da
instituição e sempre lutou contra repartir poderes. A esperança é de que as
conferencias episcopais possam contribuir para “o sentido de colegialidade”.
A
descentralização apontaria até mesmo para a abertura de espaços para diferentes
formas de praticar o catolicismo. “O cristianismo não dispõe de um único modelo
cultural e o rosto da Igreja é multiforme”, escreveu. “Não podemos esperar que
todos os povos, para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades
adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da historia”. Para o
papa, teólogos precisam ter em mente “a finalidade evangelizadora da Igreja”.
Nem o próprio
papa estaria isento da reforma. Sua meta é a de promover uma “conversão do
papado para que seja mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e
às necessidades atuais da evangelização”.
A burocracia e
a aristocracia da Santa Sé também precisa ser revista. “Nesta renovação não se
deve ter medo de rever costumes da Igreja não diretamente ligados ao núcleo do
Evangelho, alguns dos mais profundamente enraizados ao longo da história”.
Bergoglio
insiste que prefere “uma igreja ferida e suja por ter saído às estradas, em vez
de uma igreja preocupada em ser o centro e que acaba prisioneiras num
emaranhado de obsessões e procedimentos”.
Abertura – Um dos
pontos centrais é ainda a abertura da Igreja aos fieis. “Precisamos de igrejas
com as portas abertas” para evitar que aqueles que estão em busca de Deus
encontrem “a frieza de uma porta fechada”. “Nem mesmo as portas dos Sacramentos
se deveriam fechar por qualquer motivo”, escreveu.
A escolha dos
fieis que deveriam comungar também é atacado pelo papa. “A Eucaristia não é um
prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os
fracos”, alertou.
Poder – O documento
ainda lança severas críticas a padres e sacerdotes. O papa pede que se evite as
“tentações” do individualismo e alerta que “a maior ameaça é o pragmatismo
incolor da vida quotidiana da Igreja, quando na realidade a fé se vai
desgastando”.
Pedindo uma
“revolução de ternura”, o papa critica “aqueles (religiosos) que se sentem
superior aos outros” e que apenas fazer obras de caridade não seria o
suficiente. O papa também ataca os sacerdotes que “em vez de evangelizar,
classificam os outros”, adotando um “certo estilo católico próprio do passado”.
Bergoglio
também ataca os religiosos que tem “um cuidado ostensivo da liturgia, da
doutrina e do prestigio da Igreja, mas sem que se preocupem com a inserção real
do Evangelho” as necessidades das populações. “Esta é uma tremenda corrupção
com a aparência de bem. Deus nos livre de uma igreja mundana sob cortinas
espirituais ou pastorais”.
As batalhas
por poder dentro do Vaticano também são alvos de ataques do papa contra a
Igreja. Ele apela para que as comunidades eclesiais “não caiam nas invejas e
ciúmes”. “Dentro do povo de Deus, quantas guerras”, lamenta o argentino. “A
quem queremos evangelizar com estes comportamentos?”, atacou, indicando um
“excesso de clericalismo”.
O papa ataca o
“elitismo narcisista” entre os cardeais. “O que queremos? Generais de exércitos
derrotados? Ou simplesmente soldados de um esquadrão que continua batalhando?”,
questionou.
Até mesmo as
homilias são alvos de ataque do papa. “São muitas as reclamações em relação a
este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos”. Bergoglio insiste
que ela não deve ser nem uma conferencia e nem uma aula. “Temos de evitar uma
pregação puramente moralista”.
Um ataque
especial vai também aos religiosos que não se preparam devidamente para as
missas. “Um pregador que não se prepara não é espiritual, é desonesto e
irresponsável”, escreveu. Quanto às confissões, o argentino é ainda mais duro:
“não se trata de uma câmara de tortura”.
Mulher – O papa
volta a defender um maior papel da mulher dentro da Igreja. “Ainda há
necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina mais incisiva na
Igreja, nos diferentes lugares onde são tomadas decisões importantes”,
defendeu. “As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres não se podem
sobrevoar superficialmente”, apontou.
Bergoglio
deixa claro a posição da Igreja contrária ao aborto. “Entre os fracos que a
Igreja quer cuidar estão as crianças em gestação, que são as mais indefesas e
inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana”, escreveu.
“Não se deve
esperar que a Igreja mude a sua posição sobre essa questão. Não é progressista
fingir resolver os problemas eliminando uma vida humana”, declarou.
Economia – Bergoglio
ainda destina uma parte importante de seu texto à situação mundial e não deixa
de atacar o modelo econômico que prevalece. “O atual sistema economico é
injusto pela raiz”, declarou. “Esta economia mata porque prevalece a lei do
mais forte”.
“Os excluídos
não são explorados, mas lixo, sobras”, atacou. “Vivemos uma nova tiraria
invisível, por vezes virtual de um mercado divinizado onde reinam a especulação
financeira, corrupção ramificada, evasão fiscal egoista”. O dinheiro, segundo
ele, deve servir, e não dominar.
Para ele, esse
modelo estaria promovendo uma “crise cultural profunda” nas familias. “O
individualismo pos-moderno e globalizado promove um estilo de vida que perverte
os vínculos familiares”, alertou.
O papa ainda
apela para que a Igreja não tenha medo de se envolver nos debates políticos e
que faça parte da luta por influenciar grupos políticos para garantir maior
justiça social. Para ele, os pastores tem “o direito de emitir opiniões sobre
tudo o que se relaciona com a vida das pessoas”, escreveu. “Ninguém pode exigir
de nos que releguemos a religião à secreta intimidade das pessoas”, declarou.
Sua luta
contra a pobreza também fica claro no documento. “Até que não se resolvam
radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo”,
declarou, fazendo um apelo aos políticos.Em seu documento, ele volta a defender
os “mais fracos”, os “sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados” e
apela a países que promovam uma “abertura generosa” aos imigrantes. Para ele,
existem “muitos cúmplices” nesses crimes.
O argentino,
porém, não deixa de apelar “humildemente” aos países muçulmanos que garantam a
liberdade religiosa para os cristãos, “tendo em conta a liberdade de que gozam
os crentes do Islã nos países ocidentais”. “Uma adequada interpretação do Corão
se opõe a toda a violência”, defendeu. Bergoglio, porém, insiste na
necessidade de fortalecer o diálogo e a aliança entre crentes e não-crentes.
Apesar dos
desafios, o papa insiste que os fieis não devem desistir. “Se eu conseguir
ajuda pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para
justificar o dom da minha vida”, concluiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário