O pedido de audiência de Aloizio Mercadante, amigo de Lula e principal economista do PT, deixou Fernando Henrique surpreso. Esperava receber qualquer pessoa naquela tarde de quarta feira, 14 de julho de 1993. Menos um parlamentar petista.
O Congresso havia aprovado na véspera um projeto que concedia aos trabalhadores aumentos mensais de 100% da inflação. Se não fosse vetada por Itamar Franco, a proposta dinamitaria qualquer estratégia de controle da economia. Começaria por inviabilizar a gestão da Previdência.
Tramada por um deputado do partido de Mercadante, a idéia do aumento vinha confirmar as suspeitas de Fernando Henrique. Dois meses antes, quando assumiu o posto de ministro da inflação, imaginava que o PT, para evitar que se viabilizasse como uma alternativa a Lula, faria tudo para dificultar-lhe a vida, fazendo ouvidos moucos para os apelos que Tasso dirigia a Lula.
- Se esse projeto do Paim for posto em pratica, não vejo sentido na minha permanência aqui.
Fernando Henrique apenas repetia para Mercadante um raciocínio que havia construído em conversa com o presidente da República. Receava que o populismo de Itamar Franco o levasse a sancionar o aumento de 100%. Nesse caso, racionava, o presidente podia começar a procurar o seu quinto ministro da Fazenda. Ele não ficaria. Mercadante levou-o a sério:
- Isto seria um desastre para o país.
A frase do deputado fez com que redobrasse o espanto de Fernando Henrique. Recostado na poltrona de ministro, fitava um aliado inesperado. Menos preocupado com o ministro, que ainda não enxergava como uma real ameaça eleitoral, Mercadante temia o estouro da inflação. Avaliava-se, no comando de campanha de Lula, que o descontrole da economia, combinado com a instabilidade de Itamar Franco, poderia levar o pais a uma encruzilhada institucional, comprometendo as eleições.
Os petistas tinham como certa a eleição de Lula. E desdenhavam das chances de Fernando Henrique conseguir armar a própria candidatura a partir de alicerces que planejava plantar na pasta da Fazenda. Ainda enxergavam o PSDB como um potencial aliado de campanha.
Mercadante integrava o grupo que defendia o “arejamento” do PT. Achava que o partido deveria se entender com outras legendas. Junto com Jose Genoino, seu companheiro de bancada na Câmara, havia condenado o lançamento da candidatura do petista Jose Dirceu ao governo de São Paulo. Defendia o apoio do PT ao tucano Mario Covas, em troca do engajamento do PSDB na campanha de Lula.
Não era uma posição de fácil sustentação. No mês anterior, os radicais articularam-se no oitavo Congresso do PT, tomaram os cargos chaves e fizeram maioria no Diretório Nacional. Eles viam Aloizio com desconfiança, por sua posições “burguesas”.
Com sua visita a Fazenda, Mercadante tentava preservar os ramais de comunicação entre PT e PSDB, obstruídos naquele instante pelo projeto dos 100%. O sentido da proposta de Paim não era o de desafiar o novo ministro, a escassos dois meses no cargo, mas forçar o governo a sentar-se para debater uma política salarial.
Tratava-se de uma obsessão de Paim, e não propriamente de um projeto do PT. Paim se batia pela definição de um mecanismo de proteção para o salário desde 1991, quando o inquelino do Palácio do Planalto ainda era Fernando Collor, sua primeira tentativa havua resultado em nada. Naquela ocasião, Paim havia prometido fazer uma greve de fome no plenário da Câmara ate que o governo decidisse dar-lhe ouvido.
O abdômen estado e os quase 100 quilos do deputado prenunciavam o fracasso da dieta-protesto, interrompida no segundo dia. O projeto que fazia Fernando Henrique balançar em sua cadeira era a segunda investida de Paim. Parecia mais uma loucura de ex-sindicalista. Ele integrara os quadros da CUT antes de virar deputado. Em março de 1993, não foi levado a serio pelo governo, quando passou a circular pelos corredores do Congresso com o projeto dos 100%. Os demais deputados riam da iniciativa e, descrentes, assinavam o documento apenas por cordialidade, para autorizar sua tramitação.
Graças a Paim, a Fazenda vivia o seu primeiro abalo desde a queda de Eliseu Resende. A proposta representava um golpe contra os cofres da Previdência. Também vitaminava a taxa de inflação, que Fernando Henrique, a duras penas, segurava ao redor de 30%. Partiu de Mercadante a sugestão que poria fim ao impasse:”Por que você não reúne sindicalistas e empresários, para discutir uma saída?”, perguntou.
O ministro gostou da idéia. Levou-a a Itamar que, com receio de assumir sozinho o veto ao aumento salarial, também aprovou a sugestão. Reunidos no Palácio do Planalto, em 19 de julho, os representantes dos trabalhadores e dos patrões endossaram a alternativa apresentada pelo novo governo.
Aquela não foi a única conversa entre Fernando Henrique e Mercadante. Além da preocupação com a estabilidade do processo eleitoral, este nutria pelo ministro uma sincera simpatia. Em outra oportunidade informou-o sobre “boatos” que, acreditava, poderiam desestabilizá-lo no ministério. Referia-se a dois assuntos que animavam as rodinhas de fofoca no Congresso. Falava-se sobre um filho bastardo de Fernando Henrique com Miriam Dutra, jornalista da Rede Globo. Especulava-se também sobre a sociedade que mantinha com Sergio Motta, secretário-executivo do PSDB e eterno caixa de campanha de estrelas do tucanato paulista – alem do próprio Fernando Henrique, Jose Serra e Mario Covas. Dizia-se que os dois haviam adquirido a fazenda, no município mineiro de Buritis, a preços subfatorados, com o objetivo de sonegar impostos. Se comprovada, a sonegação transformaria a bomba de Paim em traque.
“tudo não passa de futrica”, rebateu o ministro, taxativo.
os petistas não eram os únicos a prever um fracasso de Fernando Henrique no Ministério da Fazenda ( isso não é surpresa, no Brasil é assim você pode ter boas intenções, mas, muitos do que lhe cercam, ou não, não gostam de ver boas realizações dos outros, torcem dia e noite para você ou seja quem for não acertar, e quando isso acontece ficam realizados, nesta historia que estamos contando você já pode ter analisado isso, ninguém pensa em povo e sim em seus desejos pessoais, observem). No coração da equipe econômica, Edmar Bacha também duvida da possibilidade de conter a inflação. Achava que o time recrutado pelo ministro era integrado por pessoas inexperientes. “O Maximo que podemos fazer é evitar a hiperinflação”, gostava de repetir o economista. “E, se conseguirmos, já estaremos fazendo muito.”
As imagens dos fracassos econômicos do governo Sarney ainda martelavam na cabeça de Bacha. Ele próprio havia tomado parte da elaboração do plano cruzado, o primeiro grande desastre. Depois, já fora do governo, observou a distancia o melancólico ocaso da administração Sarney.
“Beneficiário” de uma tragédia, a morte de Tancredo Neves, Sarney foi empossado presidente a 15 de março de 1985. Assumiu uma inflação de 225% ao ano. Cinco anos mais tarde, em 15 de marco de 1990, quando desceu pela ultima vez a rampa do Palácio do Planalto, ele deixou as suas costas uma inflação de 80% ao mês. Um índice que martelava na cabeça de Bacha.
O que o atormentava era a perspectiva de que Fernando Henrique passasse a historia como um segundo Mailson de Nóbrega, ultimo ministro da Fazenda de Sarney. Seus receios eram compartilhados por outros integrantes da equipe. Enxergavam-se algumas semelhanças entre a fase final da era Sarney e os derradeiros meses da gestão Itamar.
Como Sarney, Itamar não era o titular do mandato. Quem votou em Fernando Collor ou, antes, em Tancredo Neves, não contava com a posse dos vices. Para complicar, Itamar era dono de um comportamento errático. Trocava de ministro da Fazenda como se mudasse de camisa. Na cabeça de Bacha, Fernando Henrique tinha tudo para passar a historia como protagonista de um enredo de fracasso. E, com ele, afundaria toda a sua equipe.
Bacha tinha cadeira cativa na reunião que Fernando Henrique gostava de promover as sextas-feiras, para discutir a conjuntura econômica. Respirava-se um ar pesado em Brasília, na manha de 6 de agosto de 1993, uma das sextas-feiras em que a equipe se reuniu. A baixa umidade, marca registrada da capital, foi especialmente rigorosa naquele mês.
Para preservar a saúde das crianças, as escolas viram-se forcadas a aliviar o calendário de aulas. Somados a secura, o despreparo e o temperamento de dinamite do presidente Itamar Franco turvavam o ambiente. As voltas com uma inflação mensal de 30%, Fernando Henrique Cardoso era convidado a agir.
Pontualmente, as 9:00h, Bacha chegou ao apartamento de Fernando Henrique. Também convidados para aquela reunião, Clovis Carvalho e Winston Fritsh estavam atrasados. Alertado pela empregada de quer o ministro estava no banho, o economista, considerado o celebro da equipe, entregou-se as reflexões que o absorviam desde o inicio da semana.
Ele entrara no governo a contragosto. Alias, deveria ter voado para o Rio no dia anterior. Uma das condições que Bacha havia imposto para aceitar o cargo de assessor especial da Fazenda era o de reduzir sua permanência em Brasília. Chegaria as terças, apos o meio dia, e tomaria o avião as quintas, antes do almoço.
Preocupado com a integridade da própria biografia, bacha estava convencido de que era preciso montar alguma estratégia. Fernando Henrique necessitava de um plano e bom de combate para eliminar a inflação. Não que tivesse chance de executá-lo. Mas, na eventualidade de um naufrágio ao estilo Mailson, a equipe pelo menos afundaria brandindo um conjunto de idéias.
- Não podemos passar a impressão de que somos um bando de acadêmicos, fantásticos para dar aulas, mas incapazes de resolver problemas concretos, dizia Bacha, em conversas com os companheiros de infortúnio.
Cardoso continuava no banho. Súbito, Bacha abriu sua agenda na ultima pagina, uma pequena folha de papel azul. Pôs-se a rabiscar. Ao chegarem, Clovis e Fritsh o encontraram de caneta em punho. Afundado numa poltrona, Bacha equilibrava a agenda sobre os joelhos.
- Precisamos de um plano de vôo, puxou assunto Fritsh, estamos voando, mas não sabemos onde vamos aterrissar. Temos que preparar o trem de pouso.
continue acompanhando - a trama do poder
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