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sábado, janeiro 15, 2011

VIDAS QUE SE CRUZAM - Uma história real-


Introdução (J.Souza/G.Dimenstein/S. Alcantara)
Trama de uma sucessão. A política brasileira e seus corredores obscuros de como se pode chegar ao poder. De Fernando Henrique a Lula. pedimos desculpas aos que estão acompanhando o nosso romance. estamos atendendo a solicitação de amigos do Brasil sobre este tema. O poder.

Quando um importante funcionário do Ministério da Fazenda do Brasil puxou um caderno de capa preta de sua gaveta, sentimos o mesmo que uma criança diante de um brinquedo novo.
Ele simplesmente tinha escrito um diário, com detalhes sobre a montagem do plano Real. Lá estavam datas, frases, propostas e até a cor do papel em que, pela primeira vez, foi rabiscado a idéia de criação de uma nova moeda.
Os projetos estavam costurados. Os técnicos imaginavam que só haveria real se existisse um futuro presidente para sustentá-lo. Os dois destinos – o do presidente e o do real – se interligavam.
Fernando Henrique Cardoso virou candidato ao assumir o Ministério da Fazenda. Antes disso, pressentia a própria inviabilidade eleitoral. Achava que não se reelegia senador e eu diria até vereador. Uma vaga na Câmara dos deputados não interessava. Desanimado, pensava em abandonar a vida pública. Ia escrever um livro sobre a transição, desde a época dos militares. Dizia que estava perdendo tempo na política.
Uma das alternativas de Fernando Henrique era o apoio a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato do PT cultivava a esperança de ter o PSDB ao seu lado nos palanques. Chegaram a tramar secretamente o entendimento entre os dois partidos, que nasceria da campanha pelo parlamentarismo e resultaria num governo conjunto.
Com uma candidatura montada a partir de um plano econômico, Fernando Henrique tornou-se o principal adversário de quem imaginava pudesse ser um aliado ( o Lula, daí sair a briga constante dos dois até os dias de hoje).
Confidências feitas a portas fechadas revelaram uma equipe econômica mais preocupada com os aliados do que com os adversários. Em especial um aliado: o presidente Itamar franco. Montaram-se operações para acalmá-lo e até para enganá-lo
A partir de janeiro de 1994, foram feitas 124 entrevistas, variando de simples checagem telefônicas de cinco minutos até conversas de três horas e meia (Gilberto Dimenstein e Josias de Souza), todas registradas no computador e separadas por temas.
Obtiveram depoimentos dos mais destacados personagens da sucessão- alguns deles até se submeteram a várias longas entrevistas.
Ao mesmo tempo, mergulharam nos arquivos de revistas e jornais, auxiliados, especialmente pelo Banco de dados da folha de S. Paulo.
O objetivo dos dois era revisitar fatos históricos e repensá-los enriquecê-los a partir das novas informações.
A maioria dos entrevistados se dispôs a falar, desde que a informação não fosse publicada antes do termino das eleições presidenciais. Foi a solução encontrada para que pudessem fazer uma experiência nova. Habitualmente, os chamados “livros de momento” são escritos depois do evento e as pressas, para aproveitar o calor dos fatos.
A meta dos dois era preparar um livro que pudesse ser divulgado simultaneamente a abertura das urnas. Com a vantagem de ter sido preparado com alguma margem de tempo, detalharia a angústia e a incerteza da construção das candidaturas, ansiedades e surpresas, diálogos e encontros secretos.
Começaram no escuro, sem saber direito para onde “atirar”. Em janeiro, só Lula era, de fato, candidato. Foram obrigados a fazer conjecturas. A primeira delas, óbvia: iniciariam a investigação pelo candidato do PT. Segunda: um candidato da esfera do governo teria chances de decolar. Terceira: com as desistências de Antonio Britto e de Paulo Maluf, a tendência natural seria o crescimento de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo por ter-se ligado logo ao PFL e por estar a frente de um plano econômico.
O compromisso de que as informações só seriam relatadas após a eleição abriu para eles muitas portas. Receberam dicas e informações valiosas, antecipadamente. Entre elas, um documento com a estratégia do PT até uma eventual sucessão de 1998; os textos reservados que orientavam o marketing da campanha dos tucanos; detalhes sobre as crises, um assessor mais atabalhoado cultivou um projeto golpista, com o fechamento do congresso.
A medida em que eles faziam as entrevistas, preparavam um pré-texto. O rascunho ajudaria a ir acertando os detalhes que dão cor ao livro: as roupas usadas pelos personagens, o tipo da bebida que ingeriam em ocasiões determinadas, a comida, e até, muitas vezes, a descrição da cadeira em que estavam sentados. Deixaram para o final apenas o relato da fase derradeira da disputa.
O planejamento do livro abriu para eles a possibilidade de pesquisar os perfis psicológicos dos candidatos, pormenores de suas vidas pessoais. Fizeram o cruzamento entre a trajetória de cada um e a história do pais. As páginas ganhariam, assim, humanidade.
A dificuldade de Fernando Henrique no contato direto com o “povo”, explica-se, em parte, por sua própria dificuldade de contato físico. Admitiu que o apavorava, especialmente, o cheiro de suor que exalava dos abraços apertados nos comícios.
Não gosta de dizer “não” e prefere evitar conflitos, o que explica, em parte, a flexibilidade com que transita na política. Foi simultaneamente confidente de Lula e de Collor. Ambos sentiam que podiam tê-lo como aliado.
Acusado de “ateu”, Fernando Henrique insinuava aos amigos mais íntimos que sentia, na carreira política, a presença de uma “mão invisível” ajudando-o a conquistar, sem qualquer esforço, inesperados espaços. Dizia que tudo vinha muito fácil. Assim, virou ministro da fazenda. E, com auxílio dos faniquitos de Itamar Franco, compôs uma equipe com os mais conceituados cérebros econômicos disponíveis no pais.
Difícil entender Lula sem lembrar que viu o pai alcoólatra abandonar a mãe. Ou que perdeu a primeira mulher, grávida, porque não detectaram uma simples hepatite. Impossível entendê-lo sem imaginá-lo chegando a São Paulo num pau-de-arara com sete irmãos e o oitavo na barriga da mãe. Pressionado pela família, deixou os estudos para trabalhar. Sua visão das elites deveria, necessariamente, expressar a visão de um ser “excluído”.
Pudemos nos deter em vários tipos de detalhes. Foram necessários cinco telefonemas para os Estados Unidos para descobrir a marca do vinho Frances usado para o brinde, em Nova York, ao então chanceler Fernando Henrique Cardoso. Um brinde interrompido por um decisivo telefonema de Itamar Franco. A conversa com o presidente seria o ponto de partida de sua candidatura.
Tivemos de aborrecer o embaixador (diziam eles os jornalistas) do Brasil na Organização das Nações Unidas, Ronaldo Sardenberg, que, na condição de integrante do Conselho de Segurança da ONU, estava absorto naqueles instantes na crise do Haiti. Não se lembrou. Sabia apenas que o vinho era tinto e Frances. Fomos salvos por Célia (diriam eles), sua mulher, que tinha escrito o nome do vinho ao preparar o cardápio do jantar: suflê de queijo de entrada e, em seguida, um peixe ao molho de amêndoas. De sobremesa, torta de limão.
Impossível entender Fernando Henrique e Lula sem situá-los historicamente: apesar de terem idades e formação diferentes, ambos pertencem a mesma geração política, que emergira na fase de abertura. Essa garimpagem histórica, aliás, produziu um resultado inesperado: obtivemos (dia eles) acesso a transcrição de uma conversa, no Palácio do Planalto, num dos instantes mais tensos do governo de José Sarney. Em reunião com dez ministros, foi discutida a renúncia do presidente.
A história aqui contada não é apenas a história da sucessão. É a história de duas ricas biografias. Fernando Henrique entrou na política por seu brilho no meio acadêmico, fora e dentro do Brasil, realizando um curso de pós-doutorado nas ruas. Lula brilhou nos sindicatos, tinha graduação nas ruas e realizou pós-doutorado nos gabinetes. Mudou a cara do sindicalismo, criou um partido e pela primeira vez em nossa história, colocou um operário próximo do Palácio do Planalto.
Os dois são marcados por uma derrota traumatizante: Fernando Henrique, em 1985, na disputa a prefeitura de São Paulo. Lula, em 1989, na disputa a Presidência da Republica, com Fernando Collor de Mello. A forma como administraram as próprias derrotas e frustrações determinaria seu comportamento em 1994. Perceberam que a vitória dependeria de aliança com outras forças. Um conseguiu novos aliados. O outro, não.
A retrospectiva histórica mostra que estiveram próximos durante a maior parte de suas carreiras políticas. Lula apoiou Fernando em sua candidatura ao Senado em 1978, esperando vê-lo num partido que gostaria de criar.
Estiveram juntos nas greves do ABC e na campanha das diretas. Fernando Henrique subiu no palanque do PT no segundo turno das eleições de 1989. Mais uma vez, se uniram no “impeachment” contra o Presidente da Republica Fernando Collor de Mello. Quase se aliaram para a eleição de 1994. Chegaram a manter encontros secretos, visando a união entre o PSDB e PT.
O ano de 1994 os transformaria em adversários: ambos com o mesmo sonho. Fernando Henrique num poderoso esquema, montado no Estado, poder econômico, adesão de meios de comunicação e, principalmente, a administração eleitoral de uma moeda. Lula, no topo de uma inicialmente avassaladora popularidade, que lhe daria a aura mística de salvador dos excluídos. Tentou, ao mesmo tempo, incursionar pela esfera dos “incluídos”, aproximando-se de empresários e militares.
Encontraram um pais traumatizado com tantas mudanças, choques, inflação descontrolada, salpicada por surtos de recessão. Tudo ruindo: hospitais, escolas públicas, estradas, as cidades sitiadas pela violência. Em oito anos, quatro presidentes e batalhões de ministros que caíam como moscas. Saímos do trauma do “impeachment” e, em seguida, assistimos o Congresso expondo suas entranhas, nas descobertas sobre a máfia do Orçamento.
Ganharia quem melhor captasse o anseio por uma situação que gerasse mudança. E uma mudança qualificada, que projetasse, no futuro incerto, a sensação de estabilidade. Apesar das estrepolias de seus radicais, da fragilidade do PT nos estados, da dificuldade na costura de alianças, o sonho de Lula sobreviveu, enquanto não surgiu alguém que encarnasse o desejo de um pais menos sobressaltado. Sobreviveu enquanto foi comparado apenas com o Presidente Fernando Collor de Mello, exilado na Casa da Dinda.
Começou a se esfarelar quando teve de polarizar, não mais com a imagem de um derrotado, mas com o real. Lula não percebeu que a moeda era apenas um detalhe – simbolizava, na verdade, estabilidade. Atacou, e com razão, um plano com ingredientes eleitoreiros. Esbarrou num sentimento humano de relevar inconveniências e fragilidade em nome da ilusória esperança, um dos combustíveis do PT.
Fernando Henrique até gostou quando o PT recebeu a moeda com ataque: pressentia que o partido e seu candidato iriam se afastar da lógica que guiaria as eleições. Flexível, ele transmitiu a sensação de que teria força para governar, ao obter uma galeria de alianças. Seus aliados eram, porém, sua maior fragilidade. Distanciou-se de suas origens. Manipulou as figuras históricas de Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, exemplos de moderação, para contrastar com Lula, eternamente envolvido com as alucinações, de seus radicais.
Para operar esses símbolos e derrotar o “mito Lula”, Fernando Henrique montou a mais profissional campanha eleitoral já realizada no Brasil. Os documentos de marketing a que tivemos acesso indicavam que a campanha de Fernando Collor, festejada como o máximo da sofisticação tecnológica, pareceria hoje coisa de amador, e coloca amador nisso.
Para enfrentar essa maquina, alimentada com muito dinheiro, Lula, curiosamente, não se preparou – é como se não acreditasse na força das elites ( mas tomou a lição e iria estender a mão mas adiante para chegar ao poder), que sempre atacou. Sua campanha exibiu um desfile de improvisações.
Fernando Henrique reforçou, nesta sucessão, a convicção na idéia da “mão invisível”. Pouco se esforçou para ser presidente, comparado ao empenho de personagens como Leonel Brizola, Paulo Maluf, Orestes Quércia, Tancredo Neves e o próprio Lula, que canalizaram suas energias para o desejo da Presidência.
Não temos a pretensão de fazer uma obra de história; seria necessário um distanciamento maior (viria comentar Josias e Gilberto ambos jornalistas e pesquisadores do assunto na época). Tampouco quisemos produzir algo que pareça uma tese acadêmica. É apenas uma reportagem que, esperamos, sirva de instrumento para se entender um pouco melhor a realidade do políticos manipuladores no Brasil que culmina com a eleição de Dilma como presidente do Brasil.
Capitulo I

APROFECIA DO PAPA

A candidatura de Fernando Henrique Cardoso a Presidência da Republica começou a surgir no meio de um brinde no estilo japonês, em Manhattan, centro de Nova York – mais precisamente num discreto sobrado de tijolo aparente (comum na norte America), numero 123 da rua 79, entre Park Avenue e Lexinton. Passavam das 23:00h de uma quarta-feira, dia 19 de maio de 1993 ( bem distante do Brasil).
As taças guardavam o vinho Frances Mouton Cadet, escolhido para acompanhar um suflê de queijo, pronto para sair do forno. Um inesperado telefonema do Brasil atrapalhou o rígido cronograma do suflê (o suflê tem que ser servido assim que fica pronto se não perde a graça, o queijo endurece) que, depois de deglutido, daria a vez a um peixe ao molho de amêndoas.
O cenário era a residência do embaixador na ONU, Ronaldo Sadenberg. Aproveitando o fato de Fernando Henrique, ainda chanceler, ter chegado na noite anterior de Tóquio, o embaixador propôs o brinde habitual no Japão, antes da refeição.
A mesa, só homens, a maioria deles diplomatas da missão brasileira na ONU. Após atender ao telefone, um empregado chamou a embaixatriz Célia Sardenberg. Ela entrou na sala de jantar, esperou que seu marido terminasse as palavras de saudação, dirigiu-se a Fernando Henrique e comunicou que o presidente Itamar Franco queria lhe falar com urgência.
O chanceler sequer teve tempo para responder ao brinde do embaixador (é bom observar que este comportamento é comum no meio brasileiro por parte de quem vivi ao redor do poder, ou de quem manda, é um medo involuntário devido as antigas tradições de força que ainda convive em muito setores em países sub desenvolvidos. Respeito a uma autoridade é uma coisa, medo é outra, e aqui parece que o medo do tempo fez um chanceler deixar o colega embaixador que o homenageava com a taça no ar, para atender ao telefone do Presidente do Brasil a distância. No bom sentido poderia esperar alguns minutos, sem transparecer humilhação, acho que o protocolo entenderia muito bem, afinal, o que é urgência para um presidente de um pais?... ).
Voltando: a cena se refletia num imenso espelho instalado na sala de jantar, decorada com móveis clássicos e porcelanas antigas.
Vivia-se um dia nervoso no Brasil. A ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, tinha pedido demissão do Ministério da Administração. Rompia-se o inédito casamento de um governo federal com o PT. Brasília ou o poder, pertubava-se com o boato de que Eliseu Resende desabaria do Ministério da Fazenda, acusado de favorecer a construtora Norberto Odebrecht, da qual fora alto funcionário (alguém, em beneficio de alguém, montou a historia, a duvidas, muitas... a verdade é que explodiu a bomba. A republica foi assim também, mentiram para o Deodoro que ele seria preso pela manha, e com medo correu atrás da defesa e fizeram a Republica, coisa que não passava na cabeça do Imperador D. Pedro II. Na maioria das vezes o poder é assim calçado nas mentiras dos bajuladores do poder).
Antes de levar o aparelho de telefone ao ouvido, Fernando Enrique tinha planos limitados para a sua vida. Projetos amadurecidos muitas vezes em meio a devaneios, num cenário que em nada fazia lembrar Manhattan nem o cheiro de molhos raros que exalava da cozinha do embaixador: num minúsculo municipio por nome de Buritis, em Minas Gerais, distante de Brasília duas horas e meia de carro, seria ali o seu confinamento.
Na sossegada Buritis, Fernando Henrique comprou, em sociedade com Sergio Motta, a Fazenda Córrego da Ponte. Antes de virar empresário, Motta passou pela ação popular, movimento clandestino que se opôs ao regime militar. Depois serviu como ponte entre políticos de esquerda, inclusive Fernando Henrique, e empresários( chamo a sua atenção para este item: analisando desde a chamada entrada da democracia depois do período militar, formou-se uma ciranda com o titulo de cassados e perseguidos que depois, virou curricullun oficial da esquerda, e quem não estava nesta ciranda, não tinha, e não tem vez, hoje tem até salario pago por nós contribuintes. Ou você era cassado ou você era colaborador dos; e todos juntos estão aí na ciranda. Fernando Collor de Mello não tinha este curriculun, ele e todos os seus amigos passaram a ser estranhos no ninho e começou a atrapalhar a maquina chamada “esquerda” que estava de olho no poder desde 64 quando foram desbancados de uma idéia que queriam implantar no nosso Brasil - o comunismo -, depois ficou provado que não serviu nem a quem inventou; alias A sede de roubar era grande e não se conformaram vendo um estranho comer sozinho, ou seja, ser tirado a comida de suas bocas. Como não dividiu o bolo aos outros, caiu. Caiu porque a maquina montada para fazer o grande bolo e dividir as fatias desde as diretas já, estava definida e não poderia ser interrompida. E é o que estamos vendo, a ciranda gira, gira com muita sabedoria. Aí daquele que se intrometer nessa briga de “família de esquerda”).
O casarão da fazenda é cercado por varandas, adornadas com flores. Com um livro e um copo de uísque, Fernando Henrique apreciava estender-se numa rede. Tinha como paisagem imensas mangueiras e um horizonte que se perdia na vegetação do cerrado. Nas intermináveis conversas, descontraídas saboreando o ouro escocês com gelo, ele se permitia pensar, incomodado, em sua retirada da vida pública.
Elocubrava sobre a reeleição ao Senado, suspeitando que não venceria( e era certo que não). Talvez uma cadeira na Câmara dos Deputados, especulava, fosse mais seguro. Mas não se sentia motivado a virar deputado.
Desde que virara chanceler, a Presidência da Republica também passava por seus sonhos mais remotos. “Não sou Napoleão de hospício”, repetia. Mas, como todo intelectual, não resistia a debruçar-se sobre hipóteses. Ainda mais quando a hipótese embalava um sonho.
Desde 1992, quando Paulo Maluf virou prefeito de São Paulo e foi visto como forte candidato a direita (este foi outro que não fazendo parte do esquema esquerda foi detonado também, diriam, ele roubou muito, bem, parece que só ele rouba, porque?) contrastando com Lula, nasceu a idéia da “terceira via”. Logo que virou chanceler, Fernando Henrique dizia a seus assessores mais próximo:”Quem preencher o perfil da moderação pode ganhar essa eleição”.
O filosofo José Arthur Gianotti , seu amigo de juventude, o estimulava a pensar nessa hipótese, argumentando que a sociedade, cansada de tantas mudanças, promessas e choques, rejeitaria um salvador da pátria. Tenderia para alguém previsível, que passasse a imagem de estabilidade.
A suspeita baseava-se em sinais palpáveis. Em 1989, o eleitorado quis uma cara nova, desligada de esquemas políticos tradicionais. Venceu Fernando Collor, seguido de Lula. No ano seguinte, o leitorado inverteu o sinal, colocando nos governos estaduais figuras carimbadas e previsíveis, tendência que se propagaria na disputa pelas prefeituras, em 1992, quando Paulo Maluf, apos sucessivas derrotas, voltou ao poder.
Fernando Henrique julgava-se portador de um perfil moderador, previsível, racional. Mas, realista, lembrava que não tinha segurança sequer de voltar ao Senado. Imagine-se, então, chegar a ser Presidente da republica.
Conhecia por experiência própria a batalha de uma eleição para cargo executivo. Favorito em 1985, na disputa pela prefeitura de São Paulo, acabou derrotado.
Foi forçado a aposentar um ambicioso e calculado projeto. A Prefeitura seria apenas um trampolim, de onde ganharia projeção nacional para saltar mais alto, concorrendo a primeira eleição direta para presidente da Republica coisa que não se realizava desde 1964 quando parte dos militares chegaram ao poder, classificado de “golpe”(golpe porque a esquerda foi derrubada por um grupo de militares, para não chegar ao poder e realizar seus sonho de transformar o Brasil em um regime chamado de Comunismo seguindo o perfil do Fidel Castro em Cuba, perfil assassino também, com outro assassino, chamado Che Guevara que mandou matar um jovem preso pelo regime em frente a mãe, que pedia a sua liberdade, Fidel mandou fuzilar a muitos sem direito de defesa, estes indivíduos são idolatrados na maioria das vezes pelas classes intelectuais. Era esse perfil que alguns queriam implantar no Brasil. Sabe-se hoje que esse regime também só gerou um grande atraso para eles também), por coincidência, a última sucessão, em 1960, havia sido vencida por Janio Quadros.
Embalado pela rede e pelo uísque, Fernando Henrique desenhava um projeto bem menos ousado em sua fazenda, cujo impacto dificilmente ultrapassaria os limites da raquítica intelectualidade brasileira da época: ele queria escrever um livro sobre a transição do regime militar para a “democracia”, período que acompanhou boa parte dos bastidores. Um dos personagens obrigatórios, consumindo boa parte das páginas, seria Tancredo Neves.
Onze anos antes daquele brinde interrompido em Nova York, longe de virar um dos personagens centrais de um ex-futuro livro Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais, implantou fragmentos de um sonho na mente de Fernando Henrique, a quem considerava uma “revelação. Estimulou-o, em 1984, a pensar na idéia de presidente.
Depois que a campanha pela volta das eleições diretas tombou, em 23 de abril de 1984, na Câmara dos Deputados, um grupo de parlamentares moderados do PMDB passou a tramar uma ousada jogada: derrotar os militares com sua própria arma. Abatê-los no Colégio Eleitoral, responsável formalmente pela escolha indireta do presidente. Na verdade, um jeito para afastar intrusos e dar um hálito democrático a escolha dos presidentes.
Partido de sustentação do governo, o PDS exibia rachas – o primeiro a romper foi seu presidente, o raposa criada Senador José Sarney. Candidato pela legenda Oficial, Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, arregimentava apoios, impondo sua candidatura, para a ojeriza de amplos segmentos do PDS e do então presidente João Figueiredo, que não o suportava (era uma grande oportunidade dos mais espertos no jogo político, pular do barco diante das tempestades e do possível naufrágio). Viríamos avaliar anos depois em Nogueira na região serrana do Rio de janeiro.
As raposas do PMDB cheiravam a possibilidade de uma dissidência no campo inimigo, abrindo a chance de uma aliança capaz de reverter em maioria no Colégio Eleitoral. Conhecido por sua moderação, Tancredo Neves sobressaía isolado nas listas dos nomes aptos a fazer essa costura. Mas se recusava a deixar o governo de Minas, onde estava há apenas dois anos. “Não saio” , insistia (Tancredo Neves pela sua vivencia nos nas tramas políticas, era um PhD, sabia que era hora de se fazer difícil para ter a certeza de que seria eleito, assim a todos bradava o “Não saio”, mas no sub-mundo dos corredores políticos costurava a sua trajetória até mesmo junto a Figueiredo, para ter a certeza de que tudo daria certo, afinal estava bem acomodado como governador, sair de olho fechado era e é suicídio para qualquer um político experiente).
O prazo legal para desocupar a cadeira de governador e disputar a eleição esgotava-se em 15 de agosto. O PMDB, comandado por outra raposa velha era Ulysses Guimarães, ainda se ligaria numa inviável esperança: no lugar da derrotada emenda Dante de Oliveira, outra proposta ainda tramitava, de autoria do deputado Theodoro Mendes, sepultando o Colégio Eleitoral e restabelecendo as eleições presidenciais diretas.
Ulysses sabia da inviabilidade da nova emenda. Mas mantinha a mobilização em torno da proposta. E, clandestinamente, jogava para que Tancredo Neves, seu principal rival no PMDB naquele momento, não saísse de Minas Gerais. Assim, ele próprio disputaria a eleição indireta.
Presidente do PMDB de São Paulo, acompanhado pelo senador Affonso Camargo, Fernando Henrique visitou Tancredo Neves no apartamento do deputado Fernando Lyra, na superquadra Norte 302 de Brasília, para tentar demovê-lo.
Fernando Henrique dividiu o sofá com Tancredo Neves. A esquerda de onde estavam sentados, avistava-se uma parede ocupada por dez poemas, ilustrados com desenhos de motivos nordestinos, obra do escritor pernambucano Ariano Suassuna. Os desenhos foram gravados a fogo na madeira, com formas em baixo relevo. Silencioso, o governador ouvia os argumentos, enrolando a borda da gravata e, por vezes, levando-a a boca, um velho costume.... o esforço era aparentemente inútil. “Não vejo condições para minha candidatura”, respondeu. E lançou uma inesperada proposta: “Prepare-se, você pode ser o nosso candidato. Você seria um ótimo presidente”.
Fernando Lyra manteve-se imóvel. Acompanhando os movimentos de bastidores de Tancredo Neves, de quem era coordenador informal desde março de 1983, percebeu logo o truque (Tancredo era assim, na maioria das vezes tomava este tipo de atitude perante as pessoas, espécie de defesa pessoal).
Tinha presenciado inúmeras conversas parecidas. Alguém vinha pedir a Tancredo que deixasse o governo de Minas e ele devolvia a gentileza lançando a candidatura do interlocutor. Fisgava pela vaidade e, assim, quem sabe conquistasse um futuro aliado.
Candidato a presidência desde o ano anterior, Tancredo Neves surpreendia com seus gestos de simulação até os mais próximos aliados.
Numa suíte do hotel Nacional, em Brasília, aguardando o então deputado Pimenta da Veiga, virou-se para Lyra e disse:
    -
Tire meu nome das cogitações. Não não sou candidato.
      No seu tom debochado, Lyra ironizou:
    -
Dr. Tancredo, sou eu quem está aqui. Sou eu.
Tancredo percebia em Fernando Henrique uma característica, conhecida por seus amigos mais próximos – a extrema flexibilidade e capacidade de adequar-se as pressões. Por várias vezes, em Brasília, Cardoso insistiu para que entrasse na luta ao palácio do Planalto. Mas, de volta a São Paulo, reinado de Ulysses Guimarães, onde ainda flutuava a artificial confiança na emenda Theodoro Mendes, dava entrevistas em tom diferente. Moldava sua opinião as pretensões de Ulysses. O recurso deixava Tancredo intrigado (recurso chamado em cima do “muro”, fico do lado que estiver melhor para mim).
     -
Com que está o Fernando Henrique?, perguntou o governador a Lyra.
     -
Ele está conosco, ouviu a resposta.
Tancredo Neves saiu candidato em 16 de agosto. Escanteou com classe Ulysses, sem perder seu apoio, unindo o PMDB a sua volta. Só não uniu totalmente porque um senador de Minas, conhecido por sua teimosia (eu diria caráter, o falta em muitos), jurava não “trairia” a bandeira das diretas. Chamava-se Itamar Franco. Apenas na última hora e muito a contragosto concordou em mudar de idéia.
Logo no dia seguinte a saída de Tancredo, Fernando Henrique uniformizou o próprio discurso, surpreendendo a esquerda de seu partido, ainda apegada a tese das diretas: “ Se queremos as eleições diretas, devemos nos preparar para as indiretas. O Colégio eleitoral é agora um estagio invitavel”. Pouco tempo depois, diante dos receios de que, por uma razão qualquer, o vice-presidente José Sarney, do PSD, viesse a assumir a Presidência da republica, ele saiu-se com uma frase que o futuro tornaria irônica; “Vice nunca assume no Brasil. Essa é a tradição”.
Tancredo obteve a adesão de uma ala do PDS, batizada de frente Liberal, origem do PFL. O abre-alas da dissidência incluía o senador Marco Maciel de Pernambuco, que tinha recusado o posto de vice de Tancredo, e o governador Antonio Carlos Magalhães, da Bahia.
Vitorioso, Tancredo ofereceu a Fernando Henrique um premio de consolação: a liderança do governo no Congresso, um cargo decorativo, longe do ambicionado Ministério das Relações Exteriores. Via-o como “revelação” demais para dar-lhe um ministério. Deixou-lhe, porém, uma herança mais preciosa do que um passageiro cargo no Executivo: o exemplo da busca do consenso e da arte da dissimulação.
A distancia entre Fernando Henrique e os fragmentos do sonho da Presidência semeados por Tancredo Neves foi reduzida naqueles poucos passos entre a mesa de jantar, onde deixou intocada sua taça com vinho Mouton Cadet, e o telefone.
Enquanto o suflê de queijo dos Sardenberg ameaçava agonizar, do outro lado da linha aguardava o segundo vice a ter assumido desde a ter assumido desde a morte de Tancredo. Itamar Franco estava no Palácio do Planalto, acompanhado de seu chefe do Gabinete Civil, Henrique Hargreaves, e de secretário-geral da Presidência, mauro Duarte. Os três avaliavam que o então ministro da Fazenda, Eliseu Resende, estava acabado.
O Chanceler suspeito que a conversa iria demorar e preferiu sentar-se. Itamar informou que, em poucos minutos, teria um encontro com Eliseu em sua casa. Aceitaria o pedido de demissão.
Fernando Henrique disse lamentar. Considerava incoveniente mais uma mudança brusca no comando da equipe econômica, em menos de seis meses desde que Fernando Collor de Mello fora arrancado do Palácio do planalto, pela força da esquerda já camuflada.
     -
Ficou insustentável, retrucou o presidente. Você aceita ser ministro da Fazenda?, perguntou, de chofre.
O chanceler ponderou que estava satisfeito no Itamaraty e não gostaria de sair. Mas não enfático:
     -
Itamar, você é o presidente da Republica.
O presidente combinou que, depois da jantar com Eliseu, voltaria a telefonar para o acerto final. Todos na mesa notaram o semblante carregado de Fernando Henrique no instante em que suas costas retornaram a área de alcance do espelho da sala de jantar. Ele, porem, cumpriu o ritual do brinde interrompido, devolvendo a saudação. Acostumados a lidar com palavras, precisas, os diplomatas perceberam quando Fernando Henrique, num ato falho
(ou proposital), usou um verbo no passado ao falar de sua experiência no Ministério de Relações Exteriores.
O Mouton Cadet acompanhou o suflê, que se salvou da intromissão presidencial. Depois, como programado, entrou em cena o peixe, cheirando a amêndoas. Fernando Henrique vazou indicações menos sutis de que, entre as garfadas na torta de limão servidas de sobremesa, estivesse cumprindo seu último compromisso como chanceler.
O convite de Itamar não foi de todo inesperado. A tarde, Fernando Henrique tinha recebido um telefonema de seu sócio e amigo Sergio Motta que lhe fez um relato sobre os boatos de que Eliseu Resende iria cair. Disse-lhe que seu nome freqüentava as cogitações do Palácio do Planalto.
     -
Acho bom você voltar. Essa merda vai estourar na sua mão. O Itamar não vai ter outra alternativa, disse-lhe Sérgio Motta.
Fernando Henrique cortou:
     -
Você esta maluco. Eu não aceitaria essa coisa jamais (no fundo queria).
Atento aos boatos, o deputado José Serra dava sinais de nervosismo. Temia que Fernando Henrique, com quem há muitos anos mantinha um contato íntimo, aceitasse e, sem condições de segurar a inflação, dinamitasse o PSDB e suas candidaturas. Discretamente, Serra desconfiava da capacidade de Fernando Henrique dizer não as pressões que, invitavelmente, receberia no Ministério da Fazenda. Desconfiava ainda mais de Itamar Franco, a quem considerava despreparado e temperamental.
Entre os tucanos, acrescentava-se um ingrediente psicológico ao desconforto de Serra – uma ponta de ciúme. Sólido economista, ele entronizou nos seus projetos a idéia de consertar a inflação. Sempre lembrado para o Ministério da Fazenda, a indicação não se consumava.
Ruth Cardoso tinha conversado com o marido por telefone e, como Sergio Motta, ouviu palavras tranqüilizadoras: voltaria chanceler ao Brasil.
Antes que retornasse ao Hotel Intercontinental, onde estava hospedado, Fernando Henrique foi informado pela embaixatriz Célia Sardenberg de que o comandante Carvalho, ajudante de ordens do Palácio do Planalto, mandava dizer que o presidente adiara a ligação. Ficou para a manhã seguinte. Alivio.
Fernando Henrique deitou-se com a sensação de que Itamar Franco compreendeu seu sutil recado de que preferia ficar no Ministério de Relações Exteriores, longe das turbulências(mas, o não sutil também pode ser visto como um código de sim, afinal, tinha economista “amigo” seu de olho no cargo). Por isso, supunha, a desistência do telefonema, transferido para o dia seguinte.
Itamar Franco, porem, fixava-se na frase “você é o presidente”, interpretando-a como senha para o “sim” de Fernando Henrique. Naquela mesma noite, mandou publicar no Diário Oficial o nome de seu quarto ministro da Fazenda. E, já suspeitava, quem sabe uma das alternativas para disputar sua vaga em 1994.

Na manhã de quinta feira, o primeiro telefonema ao quarto de Fernando Henrique foi de Luiz Fernando Lampreia, secretário-geral do Itamaraty. Atônito, disse que a imprensa noticiava sua mudança para a Fazenda. “Você também está acreditando em boatos da imprensa”, interrompeu Fernando Henrique.
Logo em seguida, o telefone toca de novo. Era seu assessor, Eduardo Jorge Caldas Pereira, confirmando o relato de Lampreia. Para desfazer qualquer dúvida, Eduardo recortou o Diário Oficial e enviou, por fax, cópia do ato de nomeação. Fernando Henrique ligou para o Palácio do Planalto. Itamar não estava. Foi encontrá-lo em sua casa. Esboçou contrariedade:
     -
Mas Itamar, você não me ligou...
     -
A repercussão esta sendo ótima, disse o presidente.
Ruth Cardoso foi trabalhar assegurando aos amigos: “Ele não sai do Itamaraty”. Teve um ataque de choro ao saber que fora “enganada”. Sentiu-se traída. Não foi fácil convencê-la a ir a posse na sexta-feira. Ao telefone, Ruth cobrou:
     -
Por que você não me avisou?
     -
Você pode não acreditar, mas eu também não sabia.
Perseguido por toda a imprensa, Fernando Henrique voltou a casa de Sardenberg na tarde seguinte, momentos antes de embarcar de volta para o Brasil. Numa conversa descontraída, Célia Sardenberg perguntou-lhe se, de fato, não acreditava em Deus. Ele brincou, comentando que até em Tóquio, de onde tinha recém-chegado, foi a uma igreja.
     -
Então, vou te dar uma fitinha do Nosso Senhor do Bonfim, que eu trouxe de Salvador. Isso vai te dar sorte. E você vai precisar.
Quando ia embora, Fernando Henrique lembrou-se de pedir a fitinha.
     -
Você quer mesmo?, certificou-se a embaixatriz.
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Sim, confirmou.
Ela sibiu ao seu quarto e voltou com uma fita amarela. Pessoalmente, amarrou-a no pulso do novo ministro da Fazenda.
Fernando Henrique sabia que precisaria mesmo de sorte. Não custaria apelar para os mistérios da transcendência daquela fitinha. Se não ajudasse, mal também não faria. No caminho de volta ao Brasil, a bordo da primeira classe de um avião da Varig, refletiu sobre o imponderável. Nunca se imaginou usando uma fita do Bonfim e, muito menos, no posto de ministro da fazenda.
Avaliava que o imponderável colocava-o num caminho com, basicamente, duas saídas. Corria o risco de manchar sua carreira com um desastre inflacionário, comprometendo de vez a chance de reeleição ao Senado. Ou, se bem-sucedido, viraria um personagem decisivo na sucessão presidencial. Tanto para ajudar a eleger alguém como para ser o
beneficiário direto do sucessor.
Naquele vôo que o levava para Brasília, com troca de aeronave no Rio, ele se recordou de que aquela não era a primeira vez que o imponderável soprava a seu favor na política. Costumava confidenciar a Sergio Motta que, na política, sentia-se um homem de sorte. Galgava posições de destaque sem esforços monumentais. Era como se estivesse uma mão invisível a ajudá-lo.
Uma lembrança, em especial, o socorria em suas reflexões sobre o imponderável. Em 1978, ele decidiu candidatar-se ao Senado. Era estimulado por amigos de esquerda, que viam no então Movimento Democrático Brasileiro (MDB), depois no PMDB, a chance de brigar contra o regime militar dentro das regras do jogo, recusando qualquer clandestinidade.
Conduzida pelo presidente Ernesto Geisel, a abertura política fervilhava e novos personagens compunham o cenário. Entre eles destacava-se um irriquieto líder sindical da região do ABC paulista: Luiz Inácio da Silva, a época sem qualquer engajamento partidário. Das assembléias de trabalhadores, espantava lideres estudantis e políticos profissionais com suas frases duras e seus desafios as estruturas ideológicas tradicionais.
Os grupos mais radicais das Forças Armadas, incrustados no Serviço Nacional de Informação, achavam Lula ao mesmo tempo estranho e incompreensível. Em seus informe reservados, lançavam a exótica suspeita de que estivesse sendo pilotado pelo articulador e poderoso General Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil.
A decisão sobre a candidatura de Fernando Henrique ao senado Federal foi tomada na residência de seu amigo José Gregori, em São Paulo, onde estavam presentes, entre outros, o sociólogo Francisco Weffort, o ex-deputado Plínio Arruda Sampaio e Almino Affonso ( do amazonas), ex-ministro do Trabalho do período João Goulart. Naquela época, o partido podia ter até três sublegendas e um nome para cada uma delas – era como se fossem três partidos num só.
Apos horas de reunião, Fernando Henrique aceitou, mas sugeriu uma insólita questão. Era preciso que se filiasse. “Onde fica o MDB?”, perguntou aos presentes. Ninguém sabia. Descobriu-se depois, graças a ajuda do advogado Flávio Bierrenbach, que ficava no subsolo da Câmara Municipal.
Franco Montoro não gostou. Candidato ao Senado, não queria adversários. Já no mundo empresarial e longe dos movimentos clandestinos, Sérgio Motta trabalhava numa empresa de projetos, que prestara sérvios a prefeitura de Campinas. Lá, havia conhecido o prefeito Orestes Quércia.
Com a ajuda de Sérgio Motta, Fernando Henrique aproximou-se de Quércia. Pediu apoio ao ex-prefeito de Campinas, agora senador, detentor de influência na máquina do partido. Encontraram-se numa churrascaria próxima de Campinas.
Quércia gostou da idéia de ajudar Fernando Henrique. Percebia ali uma oportunidade de enfraquecer Franco Montoro, com quem disputava influência no partido. E com quem imaginava disputar a indicação para governador em 1982. Prometeu empenho na convenção partidária, onde um candidato a senador necessitava de, no mínimo, 20% dos votos.
A convenção foi realizada na Assembléia Legislativa, em frete ao Parque do Ibirapuera. Os defensores de Montoro não escondiam sua irritação. Da tribuna, com sua voz de tenor, Roberto Cardoso Alves, aliado de Montoro, berrava contra Fernando Henrique:”Os comunistas vão tomar conta do partido”.
Fernando Henrique saiu dali exatamente com 20% de votos dos convencionais indispensáveis para dar impulso a sua carreira política. Perdeu a eleição com 1.272.416 votos. Mas virou um dos fatos novos da política brasileira.
Sua campanha atraiu cortejos de artistas e intelectuais. Era animada também pelo apoio de Lula, a estrela nova que brilhava no firmamento político. Apesar da ojeriza manifestada aos políticos, Lula motivou-se a ajudá-lo como cabo eleitoral. Um dos coordenadores da “boca de urna” de Fernando Henrique era um rapaz alto e magro, cabelo em desalinho, barba por fazer, estudante de pós-graduação de economia. Seu nome: Aloizio Mercadante.
O gesto de Lula era calculado, em 1978. Imaginava que Fernando Henrique, vitaminado pelas urnas, o ajudaria depois na formação de um partido de esquerda “moderno”, saindo do MDB – até então se especulava, em dispersar reuniões por São Bernardo, sobre a formação de um partido socialista.
O regime militar se despedia aos pouco. Restabelecidas as eleições diretas para governador, Franco Montoro venceu, em 1982, a corrida ao Palácio dos bandeirantes. Depois de comandar greves que abalaram o regime militar e o levaram a prisão, o líder sindical Lula virou político profissional ( ou seja, aproveitou o momento de coitado perseguido, diploma do bom vivam e símbolo da esquerda brasileira como argumento para impressionar e conseguir adeptos como pobres coitados defensores da cor vermelha russa, hoje chinesa, como solução para melhor qualidade de vida do nosso Pais), criando, sem a imaginada ajuda de Fernando Henrique, o Partido dos trabalhadores. Deixou a barba crescer e a silhueta arredondar-se. Exercia fascínio sobre uma facção da esquerda democrática e, ao mesmo tempo, sobre uma vasta galeria de grupos clandestinos.
Fernando Henrique preferiu pegar uma carona no sucesso de Montoro. Por ter obtido a segunda melhor votação com sua sublegenda na eleição anterior, teria o direito de ocupar uma cadeira de senador, transformando Brasília em seu rotineiro cenário político.
Não fazia muito tempo, a cidade que agora o festejava como ministro, havia patrocinado recepções menos agradáveis. Professor de sociologia pela faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São PauIo, sempre próximo dos setores de esquerda, Fernando Henrique teve sua prisão preventiva decretada pelos militares.
As pressas, ele se escondeu. Mauricio Segall preparou sua saída do pais: fugiria de São Paulo, passando por Buenos Aires, até Santiago, no Chile, onde começou a trabalhar na Cepal, uma entidade das Nações Unidas para a America Latina.
Do Chile, peregrinou por universidades da Europa e Estados Unidos, num auto-exilio dourado. Voltou para o Brasil em 1968 e, em pouco tempo, teve mais um golpe: estava proibido de lecionar. Em 1975, foi arrancado de casa por agentes da repressão, obrigado a usar um capuz. Durante horas, submeteu-se a um interrogatório. Queriam saber sobre movimentos clandestinos.
Entre o intelectual encapuzado e o ministro da Fazenda, passando pelo senador suplente, transcorreram 18 anos. Na descida do avião em Brasília, a vida de Fernando Henrique dava um novo salto. Desta vez, os batalhões que o perseguiam eram integrados apenas por repórteres. Armados de curiosidade, queriam saber como faria para “salvar” o Brasil.
A insegurança traumatizava a nação. O drama da queda de mais um ministro econômico e o risco da hiperinflação angustiavam a capital. Pelos bastidores, a renuncia de Itamar Franco, conhecido por seu temperamento instável, era tema freqüente das rodinhas de políticos. Pouco depois do desembarque, Fernando Henrique desabafou: “Estou perdido. Virei salvador da pátria”.
Ele não sabia sequer se conseguiria salvar a própria pele. A eleição presidencial ganhava as ruas. Lula subia nas pesquisas, seguido pelo recém-eleito prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. O duelo verbal entre os dois sinalizava para a radicalização.
Ao retornar de viagem aos Estados Unidos, Maluf atacou: “Se você tiver uma fazenda e na hora da colheita tiver de optar entre um administrador petista e uma nuvem de gafanhotos fique com os gafanhotos”. O time de Lula montou a resposta imediata para ele: “Maluf esquece de seu passado de ave de rapina. O que ameaça o Brasil não são as nuvens de gafanhotos, mas as nuvens de ladrões” ( o mesmo Lula conviveu com os ladrões quando no poder e nunca soube de nada. Incrível...).
O governo contava apenas com uma frágil sustentação no congresso. O pais não aceitava mais pacotes com mudanças abruptas. Se passasse no congresso, o judiciário segurava. Predominava a sensação de que, se houvesse saída, ela só seria possível no próximo governo, com um presidente forte o suficiente para enfrentar resistências.
Fernando Henrique não tinha idéia de como comporia uma equipe em final de governo. Enquanto administrava o susto dos assessores e a irritação da mulher, ele havia ligado pela manhã, de Nova York, para Edmar Bacha, um economista do PSDB, convidou-o para assessorá-lo, “Nunca”, respondeu Bacha, que ainda se lembrava dos dias negros do fracassado plano cruzado, do qual foi um dos pais.
Fernando Henrique insistiu. Nada. Logo em seguida, Bacha ouviria um apelo do presidente do PSDB, Tasso Jereissati que, a pedido do novo ministro, também discou para a sua casa.
       -
Você não pode recusar. É uma missão partidária. Vá para Brasília.
A contragosto, Bacha embarcou para Brasília no dia seguinte, a sexta - feira da posse. Do aeroporto foi direto para o restaurante Lakes Baby Beef, no lago Sul. Encontrou a cúpula do PSDB reunida – Tasso Jereissati, Mario Covas, José erra, Ciro Gomes, Sérgio Machado e Sérgio Motta.
       -
O partido vai se estrepar. O máximo que dá para fazer é evitar a hiperinflação, analisou Bacha. Os ouvintes suspenderam as gafardas nas peças de carne.
Bacha saiu do restaurante com o governador do Ceará, Ciro Gomes, incumbido de demovê-lo. Não conseguiu. A noite, jantou no apartamento de Fernando Henrique que, ao lado de Ruth, fez nova incursão para mudar sua opinião. No sábado de manhã, encontrou-se um meio-termo: o economista assessoraria o novo ministro, mas ficaria no Rio de Janeiro.
A tarde, Fernando Henrique buscava um secretário-executivo. E, mais uma vez, recorreu a equipe de técnicos do PSDB. Ao ser convidado, Clovis Carvalho, ex-secretario de Planejamento do governo Franco Montoro, hesitou. Tinha uma vida tranqüila e planos muito bem definidos. A hipótese de deixar as industrias Villares, onde ocupava a função de vice-presidente, não passava por sua cabeça.
Filiado ao PSDB de São Paulo, preparava-se para coordenar a edição de uma revista que se chamaria “Democracia contemporânea”. Ela teria periodicidade mensal e se dedicaria a formulação de propostas para o pais. Indicado por Sergio Motta, Clovis foi praticamente intimado a ocupar o posto de secretário-executivo. O novo ministro, que havia tomado posse na véspera, deu-lhe parcos dez minutos para acabar com a hesitação.
Clóvis já estava a postos em Brasília, na segunda-feira. Mal pôs os pés no Ministério, foi nomeado ministro interino. Convidado pelo Palácio do Planalto, Fernando Henrique acompanhou Itamar Franco em viagem a Argentina.
Clóvis logo teria a primeira surpresa. Ainda na ausência do ministro, informaram-lhe que seu salário, como segundo homem da hierarquia da pasta, equivaleria a 1200 dólares mensais. Ganhava na Villares vencimentos próximos de 15 mil dólares, sem contar benefícios indiretos.
Desde o inicio, Clóvis tinha consciência de que não estava ali apenas para controlar a inflação. E, só por isso, aceito. Na primeira semana de trabalho, subiu a sala de Fernando Henrique, encontrou-o recostado numa poltrona.
Explicou por que deixou a vida sossegada da Villares;
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Faço isso porque acho que estamos diante de uma chance de construir uma alternativa democrática para o pais. Do contrario não valeria a pena.
Fernando Henrique foi taxativo:
-
É isso mesmo, Clóvis. A gente pode mudar a historia deste pais. Podemos construir uma alternativa de poder.
Certo de que havia dialogado com um candidato a Presidência, Clóvis retornou para acertar os detalhes de sua licença da Villares. Por coincidência, último lugar em que Lula trabalhara como torneiro-mecanico.
A 1200 quilômetros dali, em São Paulo, um personagem afastado da política guardava também um dialogo com Fernando Henrique, de quem era amigo intimo desde os tempos de juventude. Diretor da Antarctica (fabrica de cerveja) e fazendeiro, Roberto Gusmão foi chefe da Casa Civil de franco Montoro e, depois, ministro da Industria e Comercio do governo que Sarney herdou de Tancredo Neves.
Estudante de direito, Gusmão elegeu-se presidente da União Nacional dos Estudantes(UNE). Apaixonou-se pela campanha “O Petróleo é Nosso”, convencido pelo escritor Monteiro Lobato, que morava em cima da livraria Brasiliense, na rua Marconi, centro de São Paulo, propriedade de Caio Prado, intelectual marxista.
De seu grupo de amigos, Fernando Henrique era o brincalhão. Dele, Gusmão gravou uma frase, dita em tom de galhofa: “Vou ser catedrático, vou para a Sorbonne, vou ser senador da Republica e, se possível, papa”.
Quando Fernando Henrique, várias décadas e uma porção de cabelos brancos depois, virou ministro da Fazenda, Gusmão contabilizou:”Da jocosa profecia só falta o papa”. Entendido como símbolo de Presidência da Republica. “Ele sempre se preparou para ser alguém muito importante na vida. Seus sonhos eram altos”, recordou.
Os amigos de juventude como Gianotti, Paul Singer, Luciano Martins, Francisco Weffort e Roberto Schwarz, com os quais compartilhava tardes de estudo em torno dos herméticos livros de Karl Max, viam em Fernando Henrique um individuo casado com a sorte. Aos 20 anos, já era professor, no caminho rápido para cumprir a primeira etapa da profecia. “É um empelicado”, dizia Gianotti, referindo-se a sorte do companheiro de leitura.
Como a embaixatriz Célia Sardenberg e sua fitinha do Bonfim, eles sabiam que Fernando Henrique precisaria ser extremamente “empelicado” para enfrentar tantos suspenses produzidos no Brasil. Parecia muito distante o final da profecia brincalhona. O “papado” era ainda um sonho distante".
Até lá teria de enfrentar dois números curiosamente próximos: uma inflação de 29,7%, combinada com os 27% de popularidade do candidato Lula.

Capitulo II 

PROJETO PT 2000

Por favor, não traga mais o Lula aqui. Não gosto dele e não suporto a idéia dele mijar em cima da minha cabeça”.

Ao ouvir a frase de seu vizinho, morador do apartamento imediatamente a baixo do seu, José Baía Sobrinho, presidente do Banco Pontual, não achou que ouvia apenas uma brincadeira de alguém que compartilhava o encanamento do banheiro do andar de cima.
O arrazoado refletia o que a elite econômica sentia em relação a Lula. Na noite anterior, 1 de maço de 1993, o candidato do PT estivera na casa de Baía para uma reunião reservada com um grupo de 25 doa mais importantes empresários paulistas, entre banqueiros, industriais e grandes comerciantes. Entre eles, o presidente da Federação do Comercio de São Paulo, Abram Szajam.
Um ambiente inimaginável para Lula 37 anos antes. Em 1956, aos 11 anos, ele dividia com a mãe e os irmãos um quarto e sala nos fundos de um bar, no bairro do Ipiranga. Não havia banheiro, exceto o do próprio bar, fétido. Eram obrigados a compartilhá-lo com os fregueses do boteco, nem sempre sóbrios. Nada comparável ao luxo do lavabo da residência de Baía, forrado de granito, cujo acesso o vizinho de baixo gostaria que fosse negado.
O jantar ocorreu precisamente dois meses e 19 dias antes do brinde de Fernando Henrique em Nova York, no elegante sobrado doss Sardenberg. Solicitou-se dos convidados que não avisassem os jornalistas.
Era um dos mais importantes encontros de Lula com empresários de grande porte, depois da eleição de 1989. Apenas um dos participantes exibiu pontualidade. Denunciando a própria ansiedade, Lula chegou as 19:00h, como combinado. Fazia-se acompanhar da nata intelectual de seu partido: Paul Singer, Francisco Weffort e Marco Aurélio Garcia.
A apreensão de Lula era explicável. Dialogaria com pessoas habituadas a enxergá-lo com profunda desconfiança. Homens que ruminavam a crença de que, no poder, ele levaria a economia do pais para o abismo. Não bastasse o PT, partido que dá guarida a sindicalistas, grevistas e seitas esquerdistas de diferentes matizes, o candidato era apoiado pelo PC do B, legenda que adotava como projeto a candidatura do proletariado.
Nenhum empresário recusou o convite. A exemplo do vizinho de baixo, embora não literalmente, todos suspeitavam que Lula, eleito presidente, poderia “urinar” sobre suas cabeças. Diante da ausência de um adversário capaz de fazer-lhe sombra, o melhor era tentar conhecê-lo, saber o que pensava.
As pesquisas de opinião pública projetavam Lula nas nuvens. Ele colecionava mais intenções de voto do que qualquer outro candidato. Caminhava com celeridade rumo aos 30% das preferências de voto. O deputado Delfim Netto, tradicional interlocutor do empresariado paulista, mostrava-se resignado. Suponha o triunfo de Lula como algo inevitável: “O povo vai ter de comer alfafa mais tempo, até aprender”.
A comitiva do PT foi guiada por Oded Grajew, do Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Oded estava engajado na campanha de Lula desde o mês anterior. Havia apoiado o candidato petista no turno de 1989, contra Fernando Collor de Mello. Era o responsável pela escolha da casa de Baía como arena do embate daquela noite.
O anfitrião, velho conhecido de Oded, distanciava-se de Lula pela ideologia. Mas sua historia de vida aproximava do candidato petista. Também veio de baixo. Começou como continuo do Banco Real. Mas ao contrario de Lula, proseguiu os estudos, cursou administração, virou professor, fez carreira em bancos.
A condição de banqueiro tonificou seu saldo médio. Deu-lhe possibilidades de morar num lugar com quatro salas repletas de quadros e esculturas. A obstinação de seu principal convidado daquela noite despertava em Bia algo alem de suspeitas. Nutria por Lula uma ponta de admiração. Enxergava-o como um brasileiro que deu certo na vida. Alguém que veio para o sul do pais aos seis anos, como retirante nordestino, virou operário aos 14 anos, líder sindical aos 25 e deputado federal aos 41. Aos 49, envolvido em sua segunda campanha presidencial, estava ali, em seu apartamento, bem-posto nas pesquisas, aguçando a curiosidade de seus convidados.

Ao contrario de Baía, Lula não dera continuidade aos estudos. Seu começo, no colégio Marcilio Dias, no distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá, havia sido promissor, na primeira série, iniciada com atraso, aos 10 anos de idade, registrara notas acima da media: 10 em matemática, 10 em conhecimento gerais, 8,5 em linguagem e 10 em leitura.
Seu boletim, cuja copia encontra-se na escola, registra uma media final de 9,6. Nada mal. A necessidade de completar a renda da família levou-o a trocar a carteira escolar pelo tabuleiro de vendedor ambulante. Vendia tapioca, foi office-boy e engraxate.
Normalmente,  seria tratado por aquele senhores de gravata, perfume Frances e relógios de ouro com a indiferença reservada naquela noite aos garçons, muitos deles provavelmente nordestinos, incógnitos atrás de bandejas que gastariam vários salários para comprar.
Solícitos, os garçons ofereciam aos convidados de Baía, em bandejas de prata, canapés de Salmão e caviar, deglutidos pelo candidato petista em meio a doses de uísque. Na cozinha, preparavam-se pratos para todos os gostos: peixe, carne, massa e salada. O menu em nada fazia lembrar os alimentos que Lula ingeria na sua infância, no interior de Pernambuco. Lá, tinha o habito de comer até preá, um um tipo de  roedor, acompanhado de pimenta e farinha, que caçava pessoalmente.
Os canapés ajudaram a enganar a fome antes do jantar. Cada empresário tinha mais de uma pergunta sobre negociação da dívida externa, privatização, investimentos estrangeiros, sistema financeiro, juros ou controle de preços. Lula mediu as palavras. Sobre a dívida, disse que pretendia negociá-la. Quanto a privatização, repetiu um raciocínio que construíra especialmente para os contatos com empresários: “Vocês não devem se preocupar. Quando eu for eleito, já terão vendidos todas as estatais que prestam”.
Disse que só seria contra a venda de empresas “estrangeiras”, como a Telebrás e a Petrobrás. Não incomodaria os  investidores estrangeiros, desde que realizassem no pais investimentos de risco e não aplicações especulativas. Não estatizaria o sistema financeiro, baixaria os juros e controlaria apenas os preços de oligopólios.
O Lula que se apresentou aos empresários distanciava-se do sindicalista que, na década de 70 e ínicio dos anos 80, havia pregado a inevitabilidade da luta de classe, sem descartar o recurso as armas. Guardava também distância considerável de um outro Lula, o candidato a Presidência de 1989. Nos palanques daquele ano, Lula prometia decretar a moratória da divida externa, enxergava um inimigo em cada investidor estrangeiro execrava as teses privatistas de Fernando Collor, seu principal oponente na fase final da campanha.
Alem do conteúdo, a embalagem de Lula sofreu uma sensível mexida. Dono de um quarda-roupa mais fornido, o candidato de 1994 apresentou-se diante dos empresários reunidos por Baía, com uma camisa bem cortada e um blazer que dissimulava a barriga espetada. Trazia o cabelo e a barba bem aparados.
Um dos presentes propôs um tema inesperado, sem nenhuma relação com balanços margens de lucro, importação ou exportação. Diante de olhares perplexos, queria a opinião de Lula sobre o aborto. O candidato não fugiu do assunto. Disse que se sentia incomodado com as estatísticas sobre mortes de mulheres por abortos clandestinos. Achava que, nesses casos, a rede oficial de saúde não deveria se omitir. Terminada a sabatina, as travessas foram dispostas na mesa de jantar. Seis garçons serviram os presentes que, em grupos, estavam distribuídos pelas quatro salas. Desinibido, Lula se esforçava para passar em cada uma das mesas, desta vez para conversar menos formais. Depois da sobremesa e do conhaque, ele se entregou ao charuto cubano oferecido pelo anfitrião.
A maioria de seus interlocutores saiu dali positivamente impressionada. “É muito menos estatizante e contra a economia de mercado do que pensávamos”, resumiu Baía. A noticia sobre o encontro espalhou–se pelo meio empresarial. Na mesma semana, Oded recebeu telefonema de representantes de bancos estrangeiros, solicitando um secreto que, dois dias antes, vazou para a imprensa. Constrangidos, desmarcaram.
Arrependeram-se. Mais tarde, implorariam pela reunião. Tiveram, porém, de esperar na fila: aglomeravam-se as requisições de encontros com empresários, no Brasil e no exterior.
O sucesso nas pesquisas ia produzindo inesperados contatos e, sobretudo, ofertas capazes de engordar os franzinos cofres da campanha.
Por meio de intermediários, empreiteiras como Andrade Gutierrez, Norberto Odebrecht e OAS, habituais vitimas do PT, insinuavam-se, demonstrando “interesse em ajudar”.
Levaram as insinuações a Lula que, reunido com assessores, suspeitou que por trás do dinheiro estivesse uma armadilha. Cortou o namoro: “Pode ser uma Fria”. Disse ele.

Lula tinha consciência de que não atrairia a paixão dos grandes empresários. Considerava uma missão impossível. Mas queria neutralizar “atos de terrorismo” como o praticado em 1989, pelo então presidente da FIESP, Mario Amato. Numa frase de imensa repercussão, Amato disse que, com a vitoria do PT, 800 mil empresários iriam embora do Brasil.
Dois meses antes do jantar que deixou irritado o vizinho de Baía, Lula havia almoçado com o próprio “terrorista” Mario Amato. Por precaução, o encontro foi acompanhado por duas testemunhas: Nei Figueiredo, dono de uma empresa de marketing político, engrossou, a mesa, o lado de Amato; Ricardo Kotscho, amigo e assessor de imprensa, cerrou fileira na outra ponta, ao Lado de Lula.
Lula não deixou passar a oportunidade. Despejou sobre Amato algumas frases que o engasgavam desde 1989. “Não espero o apoio incondicional dos empresários. Só não quero é sacanagem como esse negocio de dizer que 800 mil empresários vão fugir do pais se eu ganhar as eleições.” Amato  impressionou-se com a franqueza do interlocutor. “Vocês são responsáveis por tudo isso que está aí nas ruas”, continuou desafando Lula. “Não adianta vocês controlarem o pais dessa maneira, com essa distribuição de renda maluca. Vocês ficam cada vez mais ricos, mas não podem sair de casa. Quando põem o pé na rua, são roubados e seqüestrados”.
A tática de amaciamento de personagens como Mario Amato e de outros figurões reunidos no apartamento de Baía era uma das pontas de uma estratégias do PT.
O plano completo, detalhado num documento reservado do PT, não se limitava a eleição de 1994. Destinava-se a construção de uma linha de ação de longo prazo, pelo menos até o ano de 2 000. Mas, a verdade é o que estamos vendo aí, acredita–se que o plano ampliou-se na medida em que foram chegando ao poder e controlando todos os pontos chaves assim formarem uma plataforma com já candidatos pré-selecionados para uma possível permanência de no mínimo 40 anos a frente.
Intitulado “Projeto PT 2 000”, o texto de oito paginas, elaborado pelo assessor Ricardo Kotscho, em 1992, estudado pela alta cúpula do partido e a provado por Lula, partiria de um pressuposto: a conquista do poder em 1994  seria apenas um começo. As reformas necessárias ao pais exigiriam pelo menos dez anos. Seria fundamental, por tanto, que todos se preocupassem para a sucessão seguinte.
O objetivo é exposto no relatório, sem meias palavras, vejamos:
A idéia é criar condições, desde já, para o PT não só se consolidar como uma real alternativa de poder – é preparar o caminho para o PT conquistar a maioria da nação, num amplo movimento ao mesmo tempo de massas e de articulação política, única forma de vencer em1994 e governar o pais em paz, com a sustentação mais ampla possível, de tal forma que se possa fazer o sucessor.

“Dez anos é tempo mínimo para promover amplas reformas estruturais de que o pais necessita e deixar a marca de um governo comandado pelo PT. As recentes eleições municipais nos mostram que, se não formos capazes de pensar a longo prazo, as eventuais conquistas da sociedade no período de um mandato do PT podem ser perdidas no momento seguinte.
“Desde o segundo turno das eleições presidenciais de 1989, o pais esta cada vez mais dividido entre PT e os anti-PT, como vimos nas eleições municipais. Como não podemos nem devemos fugir a esta polarização, precisamos nos preparar para a guerra. Esta é uma guerra para gente grande, para a qual precisamos nos preparar profissionalmente – já não bastam a paixão e a guerra. E, quanto antes começarmos, melhor.
“É preciso deixar bem claro: esse pessoal que está no poder desde 1500 e levou um grande susto em 1989, vai jogar tudo, vai jogar pesado para não largar o osso. Aliás, já está fazendo isso, como pudemos nos antecipar a eles. Precisamos mostrar que temos um projeto não para um candidato, não para um partido, mas um projeto para o pais”.
(
Bem aí estão eles no poder, o difícil agora e fazer com que eles também larguem o osso).
O documento estabelece cinco metas que deveriam ser implementadas imediatamente:
    1)  
Resgatar a imagem do PT como único partido nacionalmente enraizado na sociedade, especialmente nas camadas populares, com ideários definido e programa concreto de ação para o Brasil até o ano 2000;
     2)  
Combater o antipetismo, que cresce na mesma proporção do próprio PT;
     3)  
Planejar as atividades do partido ate 1999, com atividades e estruturas profissionais permanentes, evitando as improvisações das campanhas eleitorais, em que estamos sempre correndo atrás do prejuízo;
     4)  
Estimular a participação de todos os setores organizados da sociedade nas instâncias partidárias, promovendo ampla campanha nacional de filiação e democratizando as deliberações em todos os níveis;
     5)  
Reforçar os esquemas de arrecadação de quadros e a multiplicação de diretórios em todo o território nacional.
Desse documento saiu a idéia de Lula viajar em caravana pelos lugares mais remotos do Brasil, a fim de divulgar suas propostas. “Vamos rodar esse Brasil de cabo a rabo, chegar a lugares onde nunca fomos antes: se não for possível de ônibus, ir de barco, a cavalo, a pé, de qualquer jeito”, sugeria o texto.
A vitória de Fernando Collor produziu um Lula mais sensível as propostas de composição. Sabia que, quisesse vencer em 1994, precisaria domar os radicais de seu partido, alargar as alianças e  mostrar-se confiável aos empresários, aos militares e a classe media.
Na reflexão sobre a derrota, ele olhou varias vezes para trás, arrependendo-se até de pequenos gestos de moderação que deixou de fazer – gestos que, talvez, tivessem dado um outro rumo as urnas.
Estava em salvador, na casa de Waldir Pires, vice do derrotado Ulysses Guimarães, candidato do PMDB. Tinha acabado de passar ao segundo turno e buscava aliados. Queria sacramentar a previsível adesão de Waldir, um político de esquerda, perseguido pelo regime militar.
Waldir Pires praticamente implorou para que Lula telefonasse a Ulysses.
     -      
Vamos ver, esquivou-se desconfiado da reação contraria dos radicais.
Waldir insistiu:
     -      
Temos que ligar, o velho está esperando um telefonema para subir no palanque.
Com o argumento de que a imagem de Ulysses estava muito associada a da “Nova Republica” de Jose Sarney, Lula não telefonou. Mais tarde, lamentaria. Quem  sabe Ulysses, restado pela moderação, amenizasse a pecha de radical, tão eficazmente manipulada por Fernando Collor de Mello.
A solidão provocada pelo fracasso ajudou-o a amadurecer. Era dado como politicamente morto, em meio a boatos de que, deprimido, entregava-se compulsivamente a bebida. Recitava-se a lista de suas preferências etílicas: havia passado pelo conhaque Palhinha, pelo Dreher e pelo Domecq. As fotos mostravam um individuo descuidado com a aparência.
De todas as experiências de solidão, uma delas foi particularmente marcante. Ocorreu três anos antes da concorrida recepção no apartamento de Baía, no dia da posse do Presidente Fernando Collor de Mello, a 15 de março de 1990. Collor era o estranho cometa caído no ninho das cobras vermelhas, recém chegadas ao  poder pelo bloco órfãos - de Tancredo Neves falecido dias antes de sentar no trono do poder –, de  José Ribamar Sarney de Araújo Costa ou somente Sarney. Sua posse foi tensa pois havia dúvidas constitucionais sobre se era Sarney ou o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, quem deveria assumir a presidência da República. Foi decisivo para sua posse o apoio do general Leônidas Pires Gonçalves indicado por Tancredo Neves para  Ministro Exercito que apoiou a posse de Sarney.
A calmaria verificada no confortável sobrado de São Bernardo contrastava com o corre-corre que se observava na mansão da Dinda, no Lago Norte de Brasília. Lula acordou pouco antes das 8:00h. Enfiou os pés num par de chinelos e vestiu-se para o descanso: uma bermuda larga e uma camiseta com inscrições que celebravam o bicentenário da Revolução – da carnificina – Francesa. Lembrou-se de tê-la comprado em Paris, numa das viagens que fez ao exterior durante a derrotada campanha. O telefone estava mudo no sobrado de São Bernardo.
A ansiedade arrancou o novo Presidente da Republica Fernando Collor de Mello da cama perto de 6:00h.
Na cozinha, os empregados preparavam um alentado café da manhã.  Haviam sido advertidos na véspera de que a movimentação na casa triplicaria. Desde cedo, um ajudante de ordens, enviado pelo Gabinete Militar da Presidência da República, aguardava o novo presidente, para pôr-se a disposição.
Fernando Collor fez dez minutos de exercício de alongamento antes de entregar-se a um banho quente. Dedicou-se em seguida a adornar o corpo com o traje que mandara confeccionar especialmente para aquela data: um terno azul marinho, feito pelo alfaiate Raimundo Linhares, de Brasília. Da meia ao paletó, tudo novo. As únicas exceções eram a camisa branca e a gravata, da marca Hermes, que, como a camiseta do adversário, fora trazida de Paris.

A freqüência com que se ouvia o tilintar do telefone na mansão do Lago Norte de Brasília deixava incomodado o dono da casa.
Relaxados, livres de qualquer compromisso, os chinelos de Lula o levavam até o quintal do sobrado, tomado em empréstimo do amigo Roberto Teixeira, advogado e próspero empresário de São Bernardo. Deu de comer aos pássaros e, em seguida, pôs-se a conversar fiado com a mulher, Marisa, na saleta que fica logo na entrada da casa.
Hora marcada para a posse, os sapatos de cromo alemão do  Presidente Fernando Collor de Mello o conduziram a uma das várias salas da casa da Dinda, onde a mesa do café estava servida. Fernando Collor era dono apenas de parte da casa, recebida em herança do pai empresário e Senador da Republica Arnon de Mello. A mãe D. Leda e os irmãos eram sócios no imóvel. A mesa, enquanto engolia o café da manha, repassou o discurso da posse, pronto desde a véspera. Cercavam-no a mulher, Rosane, parentes, amigos e assessores. A mesa teve de ser renovada quatro vezes.
A manha daquele 15 de março de 1990 só não foi totalmente solitário para Lula porque, alem de Marisa, tinha ao seu lado os filhos Luiz Claudio, na época com 11 anos, e Sandro Luiz, com 4. Fabio Luiz, com 15, havia pulado mais cedo da cama. Tinha compromisso importante na escola: as eleições para escolha dos representantes de classe. Era candidato. Sem Fabio, os quatros tomaram café juntos. Lula  correu os olhos pelos jornais, que reservavam as manchetes para a posse de Fernando Collor de Mello.

O relógio de Lula parecia arrastar-se, concedendo-lhe um tempo de que não necessitava. Alguém que abrisse aleatoriamente sua agenda de campanha entenderia o tédio que experimentava naquela manhã. Comparado a rotina de campanha, o marasmo do dia 15 de março era, de fato, tedioso.
No calendário do Lula candidato, um café da manha em família, com pausa para o manuseio de jornais, era algo impensável. Escolhido ao acaso, qualquer dia de sua agenda era tão tomado quanto a ultima quarta-feira do mês de outubro, quando decidiu fazer campanha no Mato Grosso.
Lula viajou de São Paulo para Cuiabá, onde aguardava uma serie de manifestações. Ao descer do avião, foi empoleirado na carroceria de uma caminhonete. Percorreu todo o trajeto do aeroporto ao centro da cidade respondendo a acenos. Foi seguido por um cortejo de dezenas de carros.
Fez, em seguida, uma caminhada. Distribuiu autógrafos e anotou reivindicações de vendedores ambulantes. Pôde respirar no instante em que, graças a uma inesperada chuva, o comício que faria a tarde foi cancelado. Enfrentou uma bateria de perguntas de empresários, no programa noturno de uma TV local. Mal abriu os olhos no dia seguinte, estava diante das câmeras do “Bom Dia”, programa de uma  emissora afiliada da Rede Globo. Antes de dar as costas para Cuiabá, foi submetido a uma entrevista de rádio, um debate com estudantes universitários e um comício para operários.
Nada no sobrado de São Bernardo fazia lembrar aquela rotina elétrica  da campanha. Em fase de eleição, os instantes que sobravam para o convívio com a família eram saboreados por Lula. Ele dizia adorá-los. Confidenciava aos auxiliares mais próximos um de seus prazeres prediletos: ficar em casa, de bermuda e camiseta, diante da televisão. Um velho habito. Até os 25 anos, tinha loucura por desenhos animados. O problema é que, naquela manhã, as emissoras reservaram espaço para uma programação que Lula considerava de mau gosto: transmitiriam ao vivo a posse do novo Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello.
Não resistiu. Ligou a TV perto das 10:00h. Marisa interrompeu o preparo do almoço e também grudou os olhos na telinha. Fernando Collor de Mello chegava ao Congresso Nacional. Sozinho, com a mulher e os filhos, Lula desdenhou das companhias de seu algoz eleitoral: “Olha lá o tanto de papagaios de pirata que se espreme para ficar perto dele”. Anos depois passaria por isso também satisfeito por chegar ao poder, todos são assim, Dilma também, são milhares de papagaios de pirata que rondam Brasília ou melhor o poder. Referia-se aos políticos que se acercavam de do novo Presidente da Republica,  o jovem Dr. Fernando Collor de Mello para pegar carona em sua notoriedade. Contentavam-se com pequenas réstias de lume dos holofotes de TV.
A imagem de Ulysses Guimarães veio a sua cabeça. “Política é uma coisa engraçada”, disse. “Na época da constituinte (1988), o doutor Ulysses não podia nem andar pelo Congresso, de tanta gente que queria aparecer perto dele. Falavam que ninguém venceria ele nas eleições. Agora, só anda sozinho”. Lula vivia seu dia de Ulysses.
Alegrou-se com a chegada do amigo Ricardo Kotscho. Já não estava só entre familiares. Logo chegaria também o deputado Aloizio Mercadante. Com uma ponta de despeito, Lula contatou a ausência de “povo” na posse de Fernando Collor: “Comigo seria diferente”.
Passos lentos, Collor cruzava os cinqüenta metros que separavam do plenário da Camara, de onde leria o discurso de posse. Súbito, um solicito Fernando Henrique Cardoso lhe estende a mão. O novo presidente corresponde ao cumprimento. Lula, atento: “Olha lá, o Fernando Henrique, já ta aderindo”. Para deleite das câmeras e surpresa de Lula, Collor e Fernando Henrique sentaram-se num sofá do salão negro do Congresso. Trocaram amgumas poucas palavras. “Desejo-lhe sorte. Vai precisar”, disse, Cortez, Fernando Henrique. E Collor retomou sua peregrinação. O olhar de Lula seguia cada um de seus passos. Era como a cobra esperando o momento para dar o bote. E deu assim que se sentiu seguro.
Já no plenário, Collor sacou o discurso que havia retocado na mesa do café. E Lula:
-      
Pela quantidade de papel que tem ali, vai ser mais longo do que os discursos de Fidel Castro.
Marisa lembrou dos alertas que fazia ao marido, ele próprio adepto dos pronunciamentos a Fidel:
-      
Agora você vai ver como é bom ouvir discurso comprido.
Apequena platéia do sobrado de São Bernardo foi engrossada mais tarde por alguns amigos do Sindicato do Metalúrgicos de São Bernardo. Acompanhava-os Johnny Fernandes, então secretario de relações internacionais do Sindicato dos Metalúrgicos da Suécia. A presença de Johnny remeteu Lula de volta ao ambiente da eleição. O visitante trouxe uma foto do jantar que havia lhe oferecido, em Estocolmo, um ano antes. A conversa enveredou por historias de campanha.marisa serviu-lhes cerveja e foi para a cozinha. Debruçou-se de novo sobre as panelas. Preparava um prato tradicional da casa: frango com polenta. O aumento do quorum reanimou Lula. Desligou a televisão no instante em que Collor, já no Planalto, se preparava para dar posse aos novos ministros. “Isso ta muito chato”. Pôs para  tocar uma fita de musicas sertanejas, que ouvira muito durante a maratona eleitoral. “Vamos matar a saudade”, sugeriu. Ouviram-se protestos do caçula Luiz Claudio. Ele reivindicava a execução de outra fita, com varias versões do jingle “sem medo de ser feliz”, que embalara todos os comícios do pai. Foi atendido em seu mínimos detalhes,  o ambiente no sobrado de São Bernardo remetia para a fase áurea da campanha. Até o instante em que Fabio voltou do colégio. Meio acabrunhado, o filho de Lula fez um  comunicado. “Acho que é hereditário”,  introduziu, “também fiquei em segundo lugar”. Havia perdido a eleição para representante de  sua turma para uma garota de nome exótico: Saba.
Lula conservou o bom humor. Junto com os convidados, devorou o prato preparado por Marisa. Colocando-se no lugar de Collor, passou a chamar o jornalista Kotscho de “meu Claudio Humberto” e o economista Mercadante de “minha Zélia”, numa referência ao porta -voz  e a ministra da Economia de seu rival. A tarde, perto das 15:00h, foi para o escritório do PT, no bairro paulista de Vila Mariana. Acertou ali os detalhes finais para a primeira reunião do seu “governo Paralelo”, marcada para o dia seguinte – esse “governo” teria como meta fiscalizar cada  decisão do novo governo e lançar propostas alternativas as de Collor.
Com quatro anos de antecedência, Lula estava de novo em campanha. Só que,  agora, buscava novos aliados, o que o levaria em breve a um encontro secreto com Fernando Henrique Cardoso.

CAPITULO III

ENTRE DEUS E O DIABO

O primeiro gesto ousado de Lula na busca de aliança aconteceu no primeiro semestre de 1992. Ele participou de encontro no apartamento de Fernando Henrique Cardoso, na rua Maranhão, em Higienópolis, abastado bairro de São Paulo. Tasso Jereissati, então presidente do PSDB, também estava presente. Se uma palavra do que se tramava ali vazasse para a imprensa, o plano afundaria instantaneamente.
A trinca discutia o plebiscito, que poderia transformar o Brasil em uma nação parlamentarista, em abril do ano seguinte. Lula tinha algo a propor. Uma idéia capaz de mudar o cenário político.
Ate ali, imaginava-se que o presidencialismo seria derrotado facilmente. O enterro tinha as bênçãos dos mais expressivos intelectuais e empresários brasileiros, além  de amplas setores partidários. O então presidente da Republica Fernando Collor de Mello ergueu o tema a condição de sua bandeira política prioritária.
Do encontro saiu um plano concreto: Lula e Tasso viajariam pelo pais, defendendo o parlamentarismo. Começariam por um publico receptivo: as  universidades.
Depois, iriam aos sindicatos. Por ultimo, visitariam os proprietários de veículos de comunicação. Só não contariam o mais importante.Essas viagens destinavam-se a ir amaciando aos poucos os radicais do PT, presos aos conceitos da revolução socialista, preparando-os para um ousado lance:a união de petistas e tucanos na sucessão presidencial. No apartamento de Fernando Henrique, nascia a idéia de que o PSDB apoiaria a candidatura Lula. Os tucanos indicariam o vice.As duas legendas negociariam o nome do primeiro-ministro. Até lá, os dois partidos articulariam uma composição nas eleições para a prefeitura. Lula insinuava que apoiaria a candidatura Mario Covas a prefeitura de São Pulo. Covas era um dos cogitados, mas recusava. O molde serviria depois para as sucessões nos estados. Onde não tivesse candidatos, como em São Paulo, o PT apoiaria o PSDB. E vice-versa.
A conversa transcorreu num ambiente de descontração. Lula sentia-se entre aliados. Estavam ainda frescas as imagens do PSDB em seu palanque, no segundo turno de 1989. Apesar das divergências criadas ao longo dos anos, Fernando Henrique ainda permanecia, em essência, o candidato ao senado de 1978, a quem ajudou na esperança de tê-lo como aliado na formação de um novo partido. O velho projeto da aliança em torno de uma legenda comum retornava agora, por vias tortas.
Ambos viviam em mundos distantes. Lula só começou a se alfabetizar aos dez anos de idade, depois da insistência de sua mãe. O pai, um alcoólatra, mostrava-se indiferente aos estudos dos filhos. Lula era adulto quando tomou contato com textos políticos, trazidos por Jose Ferreira da Silva, apelidado de frei Chico, graças a calva, que lhe emprestava a aparência de um frade. Ele pedia, em tom de exigência, que o irmão lesse os textos clandestinos preparados pelo PCB, ao qual estava filiado. O material era distribuído nas fábricas.
Fernando Henrique, aos 20 anos, fluente em inglês e Frances, já dava aulas na universidade. Os debates sobre política fervilhavam a sua volta desde o berço. Descendia  de uma linhagem de militares, envolvidos no poder desde o Império. O bisavô Joaquim Inácio Batista Cardoso governou Goiás, e integrou a campanha pela abolição dos escravos e pela Proclamação da República. O pai, Leônidas Cardoso chegou a general, meteu-se em varias revoluções, tornou-se deputado federal pelo PTB ( de Getulio Vargas ). E era próximo ao Partido Comunista Brasileiro ( por isso o movimento de 64 não foi de todos os militares como é propagado, isso seria impossível, se assim fosse seria a primeira vez  na historia da humanidade um bloco fechado por um ideal, entenda-se, disputa de grupos de indivíduos  de esquerda e de direita).
Todos os contatos familiares nos quartéis não evitaram que Fernando Henrique, em 1964, sofresse perseguição. Refugiou-se na praia do Guarujá, balneário da elite paulistana, ponto de partida para o exílio.
Por coincidência, Vicente de Carvalho, bairro pobre daquela cidade, também serviu de refugio para Lula que, menino, viera da distante Garanhuns, a 200 quilômetros de recife. Em 1952, fugindo da pobreza e da seca, enfrentou, com a mãe e oito irmãos, um deles na barriga, 13 dias de viagem num pau-de-arara (transporte muitas vezes feito em caminhões adaptados para longas viagens onde as pessoas se amontoavam umas sobre as outras sem nem um conforto dentro das carrocerias do caminhões coberto por velhas e surradas lonas), para encontrar o pai, Aristides Silva, que trabalhava como estivador no porto de Santos.
Os militares aproximaram os mundos e geraram outras coincidências. Uma das maiores mágoas de  Fernando Henrique é não ter acompanhado os últimos dias do pai. Quando este morreu, ele estava no exílio.
Lula soube da morte da mãe na prisão. Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, liderou uma greve, em 1980, que duraria 41 dias. Depois da intervenção no sindicato, ele recebeu voz de prisão, em 19 de abril daquele ano, foi levado a noite para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops) e indiciado com base na Lei de Segurança Nacional. A prisão de Lula foi relaxada para que acompanhasse o velório da mãe, convertido em manifestação contra os militares.
Nos 12 anos passados entre as greves do ABC, que talharam em Lula a aura de mártir, e o encontro no apartamento de Fernando Henrique, as duas biografias convergiram. Mas produziu-se outra enorme distante nas perspectivas de vida. Desta vez, a favor de Lula.
Fernando Henrique sentia-se na periferia, sem saber se voltaria ao Congresso. Vivia uma incomoda dubiedade. Entre os intelectuais, era visto como político profissional. Pessoalmente, não se satisfazia mais com a paixão de estar entre livros e pensadores, vendo a política como um mero espectador engajado.
Foi saindo aos poucos do mundo da ciência, quando ainda dirigia o Centro Brasileiro de Analise e Planejamento (CEBRAP – instituto de pesquisa criado por um programa alternativo de oposição ), convidado por Ulysses Guimarães, o que o obrigou a viajar pelo país.

Nem de longe obteve na política a liderança que lhe dera o mundo acadêmico. Seus votos vieram através de oportunas caronas. Era mais reprimenda do partido. Aquela não era a sua primeira conversa com Collor. Da ultima vez, um café da manha, havia sido criticado por companheiros de partido, receosos de que a proximidade com o Palácio do Planalto fosse interpretada como prenúncio de adesão.
O Senador Jarbas Passarinho (Coronel de Exercito ) convidou também o senador Albano Franco que, na época, presidia a Confederação Nacional da Industria. Possuidor de uma vocação governista, Albano havia sido do PDS, do PFL e, naquela ocasião, envergava as do PRN, partido criado e controlado pelo Presidente Fernando Collor de Melo.

Fernando Collor de Mello apreciava um bom uísque. Na casa do cunhado, Marcos Coimbra, que também utilizava para encontros sigilosos, sempre o aguardava uma garrafa de Logan. Embora soubesse do gosto do chefe, Jarbas Passarinho não serviu bebida alcoólica. Submeteu os convidados a mesma abstinência que se auto-impunha.
Por volta de 21:00h, serviram-se um prato tão pouco refinado quanto o calcado de quem o preparou: bife com batata frita e arroz.
Durante o jantar, o Presidente Fernando Collor de Mello deu uma enorme volta para retornar a um tema obrigatório em seus diálogos com o senador tucano. Disse que,  numa de suas passagens por Paris, a mulher do então primeiro ministro Michel Rocard lhe perguntara: “Por que o Fernando Henrique não integra a sua equipe de governo?”.
O senador fez-se de rogado.  O Presidente Fernando Collor de Mello esperava que reagisse positivamente ao comentário. Não hesitaria em emendar um convite. Mas a frase ficou no ar. O senador fingiu que não ouviu. O presidente em silencio observou o caráter do senador, que logo, apresentaria mais ainda.
Uma hora e meia de pois, Zilda arrastou os chinelos até a mesa. Enquanto servia a sobremesa – mamão papaia o, lançou um aviso:
     -      
Está cheio de jornalista aí fora.
Fernando Henrique deu um salto. Reagiu como se estivesse protagonizando uma cena de adultério político (muitos fazem isto na esplanada de Brasília, muitos políticos medrosos, fácil de identificar. Foi mais uma lição ao Presidente da Republica ali presente).
     -      
Não posso ser visto aqui, deixou escapar nervosamente com olhos esbugalhado.
-      
O que é isso, estranhou o Presidente da republica Fernando Collor, está bem que o encontro não é para ser divulgado, mas não estamos cometendo nenhum crime.A verdade é que, ele e outros mais, da esquerda, já  distante dali  articulavam a retirada do poder o intruso Presidente, que atrapalhava os planos sonhados da esquerda, tanto trabalhado para tirar os militares do poder e assumirem com seus planos para mamar na teta da nação, sim, mamar na teta, por que no Brasil, comunismo, socialismo nada mais é de que indivíduos  na sua maioria gananciosos e temos visto ultimamente isto que se vestem de esquerda para enganar o povo para os conduzirem ao poder, todos são assim, no Brasil não temos comunistas, temos sim comonisso, se deixar. Diríamos  que neste caso Fernando Collor de Mello foi  para eles  um cometa trapalhão.
O comportamento do interlocutor aborreceu o presidente. Até o Lula ficaria aborrecido neste caso. Caráter!...personalidade....
Perto de 23:00h Fernando Collor deixou a casa do Senador Jarbas passarinho. Acompanhou-o Albano Franco. Os jornalistas seguiram a dupla. Mas houve uma incomoda exceção. Como que desconfiando de algo, um fotografo ficou ali, postado diante da casa do Senador Jarbas passarinho, na Quadra Interna numero 2 do Lago Norte de Brasília. Habituado a dormir cedo, o ministro da Justiça foi forçado a fazer a fazer sala para Fernando Henrique ate meia – noite. O senador deixou a casa depois de esgotada a resistência do fotografo. Coube a Zilda liberá-lo:  “Ele já foi”. Disse ela.
O Presidente Fernando Collor de Mello teve naquela noite sua segunda frustração com o PSDB. Não foi por falta de avisos, teve muitos.
Lembrava-se da frase de composição do governo, quando reservou os dois últimos ministérios para o PSDB. O Itamaraty ficaria com Fernando Henrique e a fazenda com o então deputado Jose Serra. Zélia Cardoso de Mello era, aquela altura, titular da pasta do planejamento. Tinha nítida na memória a cena que marcou o inicio de sua negociação com o PSDB.
Collor estava no “Bolo de Noiva”, o edifício circular, anexo do Itamaraty, utilizado como QG da transição na passagem do governo Sarney para Collor. Recebeu em sua sala o ex-governador paulista Franco Montoro, que presidia  PSDB.
Na passagem do primeiro para o segundo turno, os tucanos haviam declarado a pólio a Lula. O primeiro a pôr o pé no palanque de seu rival fora  Pimenta da Veiga, a época prefeito de Belo Horizonte. Depois, o senador Mario Covas. Mas, agarrado as palavras de Merquior, estava disposto a apagar o passado.
Foi até a porta da sala para recepcionar Montoro. O ex-governador o havia conhecido ainda menino. Freqüentava a casa de seu pai, Arnon de Mello, “coronel” da política alagoana. Os dois fundaram juntos o extinto PDC(Partido Democrata Cristão). Collor indicou a cadeira para o visitante. Acomodados, abriu uma caixa de charutos que estava sobre a escrivaninha. Num ritual que repetia sempre que diante da perspectiva de uma conversa prolongada, cortou a ponta do Havana, levou-o a boca e ativou o isqueiro. Meio sem jeito,
Montoro o interrompeu:
     -      
Posso lhe pedir um favor?
     -      
Mas claro governador.
     -      
Não acenda este charuto.
Montoro levou a mão ao bolso do paletó e, puxando um objeto, exibiu-o:
       - Vê esta bombinha? Sou asmático.
Fernando Collor devolveu o charuto a caixa. E passando ao que interessava: a composição do governo. O presidente eleito deixou clara sua intenção de “fazer” dois ministros do PSDB. Montoro
condicionou o entendimento a aceitação de sua lista de exigências programáticas.  Sem titubeios, Fernando Collor concordou com tudo. Dava tanta importância a lista que nem conseguiu memorizá-la. Encerrada a negociação, Montoro disse que levaria o assunto ao partido e, em seguida, daria a resposta.
Mas tarde, apos discutir o assunto com lideres de seu partido, entre eles Fernando Henrique, Montoro discou para o presidente:”Temos aqui mais dois pontos do programa que gostaríamos de ver implementados”. Fernando Collor, mais uma vez, assentiu. Uma das questões levantadas pelo PSDB era a necessidade de intensificar a integração dos países latino-americanos.
Para surpresa de do Presidente Fernando Collor, apos toda aquela negociação, a resposta dos tucanos foi negativa. Teve de juntar a Fazenda ao Planejamento, entregando uma super pasta da economia a novata Zélia ( que causaria dores de cabeça ao presidente  em breve). No Itamaraty, acomodou Francisco Rezek, que havia comandado a eleição presidencial a partir da cadeira de presidente do Tribunal Superior Eleitoral.  O Presidente Fernando Collor soube, um ano e meio depois, que Mario Covas, uma das principais lideranças do PSDB, fora o principal responsável pelo fracasso da negociação com os tucanos.
Em abril de 1991, quando a inflação e o romance com o ex-ministro Bernardo Cabral indicaram ao  presidente Fernando Collor a conveniência de desalojar Zélia da pasta da Economia, o presidente voltou-se mais uma vez para o PSDB. Chegou a pensar na possibilidade de formular um convite para o economista e ex-ministro Mario Simonsen. Mas achou que ele não aceitaria. E fixou-se no nome de Jose Serra.
Nomeado ministro da Justiça justamente para aliviar o governo do desastre Bernardo Cabral, Jarbas Passarinho foi chamado novamente a presença de Fernando Collor. Deveria agora ajudar o Palácio do Planalto a livrar-se da calamidade Zélia. O presidente fora informado de que o casal Zélia-Cabral não havia se desfeito. A cabeça dos dois era só sexo, no momento, o Brasil e o presidente, deixa para lá.
Preocupado com o caso Zélia e Cabral, em busca de uma solução rápida saiu a flertar novamente os tucanos,  Fernando Collor reconduziu Passarinho ao posto de “cupido”. Sua missão: sondar secretamente Jose Serra. Era noite. O deputado estava em São Paulo. Valendo-se da condição de coronel da reserva, Passarinho armou uma operação militar. O governo tinha pressa. e olha pressa  nisso. A posição de Zélia estava insustentável.
Naquela mesma noite, o ministro da Justiça venceu a distancia entre Brasília e São Paulo num jatinho da força Aérea Brasileira. Aguardavam-no em terra carro e motorista do Exercito. Chegou a casa de Serra, um sobrado elegante do bairro de Alto de Pinheiros, a uma e meia da madrugada.
Antes de deixar Brasília, tivera o cuidado de ligar para Serra. Havia sido informado de que o deputado tinha um compromisso. Disse que o esperaria em casa. Serra participava de um jantar na casa de José Arthur Giannotti. Antevendo que seria “vitima” de um novo convite de Collor, buscou o conselho de alguns amigos. Um deles, Sergio Motta, desaconselhou qualquer compromisso sem previa consulta ao partido. Sérgio também estava na casa de Giannotti. Sua opinião coincidia com a de Serra.Collor não entendeu que os grupos de esquerda não queriam fazer composição com ele, não via que era um espinho caído de paraquedas no meio os planos esquematizados a tempos, jamais, todos eles brigavam e brigam mas as escondidas festejam a chegada ao poder e comer muito até se fartar e o povo aplaudindo. Passarinho amargou espera de uma hora (feito de propósito por Serra e seus aliados). Quando bem quis, chegou, sondado as duas e meia da manha, Serra insinuou que precisaria de um tempo. Teria de ouvir o partido o PSDB.

Passarinho disse que Collor tinha pressa. E Serra respondeu que, naquelas condições, julgava-se impossibilitado (mentira, desculpa  para torpedear o intruso das esquerdas) de aceitar o convite. Dali, Passarinho rumou para o Quartel General do Comando Militar do Sudeste. Para manter-se incógnito, decidiu trocar o conforto de um hotel paulista pela simplicidade das instalações militares.
No quartel, o ministro ligou para Collor. Avisou-o da recusa de Serra. Conduzido ao alojamento, Passarinho tomou um susto. O quarto que lhe haviam reservado estava guarnecido com uma pequena cômoda e uma cama de solteiro. Sobre a cama, um lençol meio transparente deixava entrever o colchão. Um cobertor fino e um travesseiro magro completavam o ambiente. O ministro esperava algo singelo. Mas nem tanto.
Antes de enfiar-se embaixo da coberta, Passarinho consumiu um copo de leite e olhou para o mostrador do relógio: 3:15h. Teria dificuldade para despertar pela manhã. Habituado a rotina militar, tranqüilizou-se. A corneta que anuncia a alvorada no quartel não o deixaria passar da conta. O encontro que tinha marcado com o em empresário José Mindlin, da Metal Leve, logo cedo, não corria riscos.
Passarinho acordou graças ao seu despertador biológico. Passavam pouco minutos das 8:00h. Ouvia-se no quartel um silêncio de mosteiro. Um tenente veio perguntar-lhe se tomaria o café da manhã no quarto ou no refeitório. Em nome do sigilo da missão, preferiu a privacidade do quarto.
Curioso, interrogou o tenente. Queria saber por que não ouvira a corneta. Também sentia falta da algazarra dos recrutas. O interlocutor explicou que o exercito daqueles dias não se comparava a tropa da época em que Passarinho esteve na ativa. Sem recursos para alimentar os soldados, os comandantes viram-se forçados a liberá-los no fim do dia, para que jantassem em casa e retornassem ao quartel na manhã seguinte, de café tomado.
O estomago de Passarinho descobriria em seguida que as palavras do oficial não continham nenhum exagero. Serviram-lhe um pão com manteiga e uma média desbalanceada – tinha mais café do que leite. O ministro levou de São Paulo uma péssima impressão sobre as condições financeiras do Exercito e um nome alternativo para a vaga de Zélia: o do embaixador brasileiro em Washington, Marcilio Marques Moreira. A indicação partiu de Mindlin. Collor aceitou-a de imediato.
Estava resolvido o problema da substituição de Zélia. Mas a obsessão de Collor pelo PSDB restou, pela terceira vez, insaciada. Collor estava igual mulher de malandro, quanto mais apanha, mais quer apanhar. O que o incomodava era a sensação de o PSDB o rejeitava por considera seu governo indigno. Era verdade, só Collor não queria ver. Jurou que aquela tinha sido a última vez que tentava aproximar-se dos tucanos....
Enquanto Lula articulava um acordo com o PSDB, Fernando Collor dava também mais um passo para tentar reduzir seu isolamento. Decidiu quebrar seu juramento no dia 28 de março de 1992, um sábado. Ela havia saltado da cama as 7:00h. Modificando a rotina dos seus fins de semana, não fez exercícios físicos naquela manhã. Consumiu um desjejum levíssimo: pão integral e café com leite, sem açúcar. Ainda na mesa de café, correu os olhos pelos jornais.
Em seguida, cruzou os jardins da Dinda. Parou defronte ao lago Paranoá, que margeia o quintal de sua casa. Deixou-se ficar ali, de pé por alguns minutos, com o olhar perdido no horizonte aberto do cerrado. Ao rumar para o escritório da residência, tinha tomado a decisão: promoveria um “arrastão” ministerial, limpando o primeiro escalão. Mais uma vez, tentaria atrair o PSDB para o governo.
O presidente fez segredo da decisão até a noite de domingo. Comunicou-a então a três ministros. Ao discar para Marcilio Marques Moreira, as 23:00h, disse-lhe que, na manhã seguinte, deflagraria uma profunda reforma ministerial. Esclareceu que as mudanças não atingiriam o comando da economia. Ligou em seguida para o cunhado, marcos Coimbra, chefe do Gabinete Civil, e para o general Agenor Homem de Carvalho, do Gabinete Militar.
O presidente havia iniciado a reforma do ministério três meses antes. Em janeiro de 1992, em dialogo com o tucano Ciro Gomes, governador do Ceará, voltara a insinuar que gostaria de ter tucanos do seu lado. Os dois conversaram no Palácio do Planalto, durante uma hora e quinze minutos. Ciro disse-lhe que o acerto com o governo racharia o PSDB.
Dias depois, ainda em janeiro, Collor abriu negociações com o PFL.
Queria engordar o bloco político que o apoiava no Congresso. Como subproduto da reforma, conduziria ao cadafalso, supostamente em nome da defesa da moralidade, alguns de mais fieis auxiliares.
Collor guindou a condição de ministro três políticos do PFL. Criou a Secretaria de Governo, vinculada ao Planalto, e entregou-a a Jorge Bornhausen, a quem deu poderes de articulador político. Ex-senador eleito e ex-governador biônico de Santa Catarina, Jorge Bornhausen estava sem mandato desde 1989. Sua chegada esvaziou a atuação de Jarbas Passarinho, que foi logo substituído por Célio Borja, içado, por sugestão de Marcilio Marques Moreira, do Supremo Tribunal Federal.
Alem de Bornhausen, o presidente empregou no ministério dois deputados pefelistas: o gaúcho Reinhold Stephanes, economista com experiência na área previdenciária, foi nomeado para a pasta da Previdência. O pernambucano Ricardo Fiúza, usineiro de bigodes fartos e conversa fácil, assumiu o Ministério da Ação Social.
Com seus primeiros movimentos, Collor aplainou o terreno para resolver o problema do raquitismo de sua base política. Sozinhos, o PRN e o PSC, seus aliados naturais, ofereciam ao governo um suporte anêmico na Câmara e no Senado o PFL lhe daria mais 80 votos. Passava a contar com cerca de 120 parlamentares. Uma cifra ainda distante da maioria: 252 votos.
As mudanças trouxeram benefícios aparentes. O governo livro-se de alguns pesos mortos, entre eles o ex-sindicalista Antonio Rogério Magri, enrolado numa fita cassete em que aparecia negociando propina de 30 mil dólares, e a assistente social Margarida Procópio. Acusada de beneficiar Alagoas na repartição de verbas públicas de sua pasta.
Mas a contabilidade de Collor escriturava também alguns prejuízos. O PFL deu a administração federal uma aparência conservadora. O presidente se curvava diante do então governador baiano Antonio Carlos Magalhães, do PFL. ACM, como era conhecido na Bahia, vinha batendo duro no governo. Pedia publicamente a reforma do ministério.
Aliado do ACM desde a campanha presidencial de 1989, época em que encontravam-se secretamente em Brasília, o presidente simulava distanciamento. Naquela ocasião, ACM era ministro das Comunicações do mesmo governo Sarney que Collor tachava, em seus comícios, de “corrupto” e “ladrão”. Ao juntar-se ao PFL, naqueles primeiros dias de 1992, o presidente enterrou um rotulo que havia cultivado com zelo: a logomarca “Brasil Novo”.
Com um atraso de dois anos, instalou-se no Palácio do Planalto o mesmo balcão fisiológico que havia assegurado a José Sarney um mandato de cinco anos. Sentado na cadeira que herdou de Sarney, as voltas com sucessivas denuncias de corrupção, Collor se rendeu a um estilo que prometera combater.
Alem do apego as palavras de Merquior, o presidente tinha agora uma nova razão para flertar com o PSDB. Achava que a presença do partido no ministério equilibraria o jogo. A griffe social-democrata dos tucanos, alem de oferecer um contraponto ao PFL, mudaria o foco do noticiário, centrado no acompanhamento do cipoal de denuncias feitas pelos jornais, algumas delas envolvendo Paulo Cesar Farias, seu ex-tesoureiro de campanha. (homem de confiança da família Arnon Mello).
Uma súbita notoriedade arrancava gradativamente PC da área de penumbra  em que havia militado para angariar fundos de campanha para a eleição de Fernando Collor de Mello. Sua ação passava a ser captada pelos holofotes da imprensa – na época uma grande parte vermelha – e expunha uma rede de tráfico de influência que se acercava do próprio presidente. Segundo a linguagem da mídia (mas, hoje, sabe-se que nem  tudo sabia o presidente, seu erro, foi não fazer como  Lula fez, -“não sei de nada”.... o número 19 deu uma lição  de governo, costurou política e políticos fartou-se e saiu de bom moço sempre dizendo:” não sei, não vi, não sei de nada. Vamos punir os corruptos”. Grandes homens tem nestes últimos anos o Brasil. Que lição...- ).
Na véspera do sábado em que deixou de se exercitar para matutar as margens do Lago Paranoá, Collor havia recebido em seu gabinete,  no Palácio do Planalto, o amigo Pedro Paulo Leoni Ramos, secretario de assuntos Estratégicos. Era dia 27 de marco de 1992, Leoni era apontado nos jornais como responsável pela montagem de uma rede de trafico de influencia na estatal Petrobrás. Ao defender-se diante do chefe, acabou precipitando a decisão de aprofundar as mudanças feitas em janeiro daquele ano.
A nova investida de Collor deixou o PSDB zonzo. Sondados por Jorge Bornhausen, no sugestivo 1 de abril de 1992, dia da mentira, os tucanos disseram que não ingressariam no governo. A comissão executiva do partido ratificou as palavras da trinca que esteve com  Bornhausen: Tasso Jereissati, então presidente da legenda, Ciro Gomes e José Serra.
O governo decidiu jogar pesado com o PSDB. Tão pesado que, após uma sucessão de reuniões, o partido voltou atrás, concedendo a Tasso Jereissati uma delegação para abrir negociações com o governo. Tasso foi a Collor, acompanhado de Fernando Henrique Cardoso.
O presidente foi direto ao ponto. Ofereceu dois ministérios: o Itamaraty para Fernando Henrique, e metade do da Infra-Estrutura – a parte das Minas e Energias – para Tasso.
Enquanto a direção de seu partido dialogava com Collor. Mario Covas, presidenciável derrotado na disputa em que Collor sagrou-se vencedor, entabulava negociações com o pessoal de Lula. Em reuniões sigilosas com a ala moderada do PT, Covas e o deputado Jutahy Magalhães Jr. Tucano da Bahia, inimigo político de ACM, combinaram resistir a adesão ao governo. Desenhava-se nos encontros a possibilidade de entendimentos futuros entre tucanos e petistas.
Diante de um Collor ansioso, Tasso e Fernando Henrique sacaram uma nota preparada pelo partido. Redigida por Edmar Bacha, o documento investia pesado contra a corrupção. Entre outras coisas, propunha que fosse criada uma comissão para fiscalizar atos desonestidade na administração pública. O que vemos aqui e parecido com uma brincadeira de “competentes sérios e responsáveis” com uma pessoa totalmente despreparada para governar, estes senhores brincaram com o presidente como se fossem pessoas serias e preocupadas com a nação brasileira, todo não passava de um jogo sujo e combinado com o partido, pareciam ter descido do céu como  “honestos anjos cuidadosos e zelosos”.
O trecho mais duro do arrazoado dos tucanos era aquele em que se dizia que funcionários públicos deveriam ser proibidos de receber presentes ou doações. Muito interessante...
As palavras tinham endereço certo. O ministro Ricardo Fiúza havia admidido o recebimento de um Jet-ski, mimo da empreiteira baiana OAS. Reconhecera também ter recebido doação de campanha no valor de 100 mil dólares da Federação Brasileira de Bancos.
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Está difícil de aceitar, presidente. Seu programa se encaixa muito bem com o nosso. Mas fica complicado participar de um governo que tenha o PFL. O partido é a encarnação do atraso, simboliza tudo de ruim que há no pais, disse Fernando Henrique a Collor.
Embora alimentasse esperança, o presidente suspeitava que a negociação naufragaria.
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Suponho que o senhor não possa prescindir do PFL agora, testou Fernando Henrique.
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Não, realmente não posso abrir mão  da participação do PFL.
As condições políticas não me permitem, descartou Collor.
“Essa nota é um absurdo”, reagiu Bornhausen, ao tomar conhecimento dos termos do documento, no Ascot, uma uisqueria de Brasília.
Mais tarde, em sua casa, Bornhausen reuniu a nata do PFL: Fiúza, vitima da nota tucana, Luiz Eduardo Magalhães, filho de ACM e líder do PFL na Câmara e Marco Maciel, líder do PFL no Senado. Eles execraram os tucanos e comemoraram o fim das negociações, Bonhausen conduziu, nos dias que se seguiram, uma reforma que trouxe para a Esplanada dos Ministérios políticos do PTB e do PL.
Dias depois, Collor teria um encontro a sós com Fernando Henrique, também no Palácio do Planalto. O senador tucano, na época líder do PSDB no Senado, lançou a ponte para um eventual futuro entendimento com Collor: “Pode contar conosco em 94”.
Collor fez ar de espanto. Fernando Henrique foi, então, mais explicito: “Conte conosco para evitar que, na sua sucessão, o PFL queira impor o nome de Antonio Carlos Magalhães”.
Nem nas mais fantasiosas elocubrações  alguém ali poderia supor que essas preocupações estavam prestes a perder qualquer sentido. Acusado por Pedro, seu irmão mais novo ( que sofria de câncer no celebro e sabedor de algumas situações que fervilhava ao seu redor especialmente em seu lar com uma ligação muito for ao presidente, foi instigado por um certo e renomado empresário que delatou a ele Pedro tudo que sabia) Collor sofreu um processo de impeachment que foi articulado pelos setores de esquerda pois este era o momento de tomarem a rédea do poder novamente e expulsar o intruso Collor de seus caminhos, ai a galera esquerdista fez festa o que dizimaria um projeto presidencial tramado no Palácio do Planalto.
Dizimaria também o plano secreto em torno do parlamentarismo, costurado no apartamento de Fernando Henrique, na rua Maranhão, dificultando a aliança do PT com o PSDB.
Sem saber, ao  participar decisivamente na derrubada de Collor, o PT ajudava a abrir a picada para que Fernando Henrique trilhasse sua caminhada presidencial, ao ganhar visibilidade quando escolhido chanceler por Itamar Franco- e desde então passou a ser olhado com interesse pelo PFL, de Antonio Carlos Magalhães, que durante a impeachment, atuara como o mais importante defensor de Fernando Collor.

CONTINUA NA PARTE II










 








 





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