Antonio Carlos Magalhães foi uma das primeiras lideranças de peso a enxergar em Fernando Henrique qualidades de candidato a Presidência. Incluiu-o em sua lista de opções quando o tucano ainda ocupava a cadeira de ministro das Relações Exteriores.
Como governador da Bahia, coube a ACM organizar, junto com o Itamaraty, o encontro de países ibero-americanos, que no ano de 1993 ocorreu em Salvador. Um contratempo de última hora aproximou-o de Fernando Henrique.
ACM disparava acusações contra Jutahy Magalhães Jr., ministro do Bem-Estar Social. O presidente Itamar Franco classificava de “levianas” as alfinetadas contra o auxiliar. O governador baiano jogava pesado. Dizia que Jutahy, seu adversário político da Bahia praticava atos corrupção.
Irritado, Itamar ameaçou transferi o encontro de chefes de Estado de salvador para Brasília. O presidente participaria da conferencia. E não lhe agradava a idéia de dividir, justo com ACM, as honras de anfitrião. Em telefonema ao Itamaraty, ACM, deu alarme:
- Se ele retirar o encontro de Salvador, saberei reagir, disse ao chanceler.
- Calma, governador. Tudo ajeitado, respondeu Fernando Henrique, companheiro de partido de Jutahy Jr.
- Só quero avisar que denunciarei a represália de Itamar a nação.
Do mesmo modo que saberei recebê-lo com fidalguia, se vier a Bahia. Os convites as delegações estrangeiras já foram expedidos. Está todo mundo sabendo que vai ser aqui em Salvador. Não faz sentido mudar. Se o problema sou eu, estou disposto inclusive a deixar a cidade durante o encontro.
Fernando Henrique não foi afirmativo. Encerrou o telefonema sem dar qualquer garantia a ACM. Dias depois, o governador baiano foi convidado para almoço, em Brasília, na Embaixada da Colômbia. Alheios a irritação de Itamar, os embaixadores de países ibero-americanos renderam homenagens a ACM ( uma sutil armação de uma senhora embaixatriz...). Fernando Henrique chamou-o para uma conversa no Itamaraty.
Combinado com Itamar, o ministro confirmou Salvador como local do cobiçado encontro. Após acertarem os detalhes operacionais,puseram-se a falar de política. A conversa logo enveredou para a sucessão:
- Vejo você como uma boa alternativa para a Presidência, afirmou, sem rodeios, ACM.
- Não sei, governador. Vamos ver, vamos ver.
ACM estava a procura de um candidato que pudesse ser apoiado pelo PFL. Nas conversas que mantinha com o amigo Roberto Marinho, dono das Organizações Globo. Mencionava o PSDB como um celeiro de potenciais candidatos. Tinha simpatia pelo tucano Ciro Gomes, governador do Ceará, com quem tinha diálogos freqüentes, as iniciais de seus estados cuidavam de aproximá-lo nas reuniões da SUDENE. Nesses encontros, a distribuição das cadeiras dos governadores segue a ordem do alfabeto, acomodando o “B” sempre ao lado do “C”.
O governador gostava também do nome de Tarsso Jereissati, antecessor de Ciro Gomes no governo cearense. E, naquele dia, resolveu “sentir o pulso” de Fernando Henrique. Mais tarde, relataria as suas impressões a integrantes da cúpula do PFL. “Ha pessoas que são picadas pela mosca azul. Enquanto falava com o Fernando Henrique, vi a própria mosca na minha frente.”
Ao deixar o gabinete de Fernando Henrique, ACM cruzou com o deputado Jose Genoino, do PT de São Paulo, que aguardava na ante-sala. Conhecia-o de vista e de fama. Seu filho, Luiz Eduardo Magalhães, líder do PFL na Camara, era interlocutor freqüente de Genoino. Elogiava-o pelo pragmatismo. Integrante da ala moderada do PT, o ex-guerrilheiro Genoino não recusava o dialogo com representantes de legendas ad versarias.
Apos trocas Rápidas e descompromissadas palavras com Genoino, ACM deixou o Itamaraty com duas certezas e uma duvida. As certezas: Fernando Henrique estava louco para ser candidato a presidência e não parecia refratário a idéia de um entendimento com o PFL. Ao contrario, chegou a fazer rasgados elogios a Luiz Eduardo. A duvida: não estava certo de que o interlocutor conseguiria viabilizar-se como candidato. Atado ao Itamaraty, uma pasta de segunda, poderia não decolar. Era, por ora, apenas mais um nome.
As voltas com dúvidas semelhantes as de ACM, Tasso Jereissati não se conformava com o malogro das tentativas de entendimento que mantivera com Lula, este sim um candidato forte a Presidência naquele momento. Repetia a si mesmo uma pergunta que havia feito ao amigo Ciro Gomes, no ano anterior, quando os tucanos estiveram perto de formalizar um entendimento com o PT: “O que está acontecendo com o Lula?”
Não encontravam uma resposta. A idéia do próprio Lula, de realizar uma cruzada em defesa do parlamentarismo, não saia do campo das intenções. Como combinado, Tarsso estava ansioso por iniciar as viagens pelo Brasil. Sequer conseguia atrair Lula para as reuniões em que se traçaria o roteiro dos deslocamentos. O líder petista sempre se saía com uma nova desculpa.
Intrigado, Tasso questionou Lula pessoalmente. Queria saber o que se passava. Lula, esquivando-se, pôs a culpa nos radicais de seu partido. Disse que, contrários ao parlamentarismo, os xiitas petistas o seguravam. O presidente do PSDB conseguiu uma explicação mais razoável do mesmo Jose Genoino que ACM encontrou na ante- sala de Fernando Henrique: “O Lula abandonou a campanha parlamentarista e está usando os radicais como pretexto”, disse Genoino que, como a maioria da bancada de petistas na Camara, articulava o fim do presidencialismo.
Lila equilibrava-se entre as alas radicais e os moderados de seu partido. Inspirava-se em Ulisses Guimarães que, ao dirigir o PMDB, aproveitava-se do conflito entre “autênticos”, como eram chamados os radicais peemedebistas, e moderados. Sempre atuou como síntese. E aí residia seu segredo.
Num almoço em Paris, Lula recebera um conselho do economista Celso Furtado, uma das maiores referencias intelectuais da esquerda brasileira. Jamais o esqueceria. Os dois conversavam sobre estruturas partidárias. E Celso Furtado lhe disse: “Nunca abra mão de seus radicais. Eles dão vitalidade ao partido e, mais importante, indicam o caminho que não se deve seguir”.
Aos risos, Lula recorria a seguinte frase de Furtado sempre que seus próprios correligionários o alertavam para o perigo dos radicais que, lentamente, assumiam mais e mais posições na estrutura de mando do PT. Lula dizia que, sem a sua popularidade, os radicais não eram ninguém. Portanto, estavam sob controle. Baseado nesta autoconfiança, ele se eximia de tomar partido nas reuniões em que as facções petistas derramavam-se em intermináveis discussões, muitas delas envolvendo questiúnculas. Sempre que podia, Lula escapava desse tipo de encontro.
Sem uma palavra de Lula, a definição sobre o sistema de governo acabou submetida a um plebiscito interno do PT. Os presidencialistas venceram com folga. Vingou a tese dos radicais, segundo a qual o parlamentarismo embutia um ardiloso golpe da “burguesia” contra o PT, tão próximo do Palácio do Planalto. Em alta nas pesquisas, Lula, convenientemente, se omitiu.
Era nas pesquisas de opinião que se encontrava a melhor explicação para o fato de Lula ter desprezado a companhia de Tarsso Jereissati, desertando do acerto com o PSDB. Apos um período em que esteve estacionado no patamar de 19%, Lula pulou para confortáveis 25% no segundo semestre de 1992. E, graças ao seu rival político, percorria um movimento de alta.
Lula saboreava precocemente o sabor de vingança. Sua satisfação atingiu o ápice no instante em que, mãos dadas com Rosane, sua mulher, Collor deixou pela ultima vez o Palácio do Planalto. Sob os gritos de “ladrão”( Lula estava de peito lavado, deu o troco traiçoeiro a Fernando Collor por ter exposto a sua imagem ao ridículo na campanha presidencial, estava consumado a armação para tirar o intruso do caminho das “esquerdas”). Foi seu primeiro teste em manipular o povo e colocá-lo na linha de frente contra o presidente. Ao lado de Andrew Johnson, um presidente americano afastado do cargo em 1868, Collor transformou-se no segundo chefe de Estado no mundo a ser retirado do cargo graças a um processo de impeachment. Um significativo detalhe transformaria Collor num caso único: ao contrario de Johnson, que retornou ao posto três meses depois, Collor seria mais tarde extirpado em definitivo da presidência.
Para deleite de Lula, Collor ficou só, exatamente como pedira que não o deixassem. Recolheu-se ao exílio da casa que era de seu pai e onde fez a sua morada oficial a casa da Dinda. Numa primeira fase, teve de abandonar até o Cooper dominical. Passou a correr a noite, para evitar o contato com pessoas alheias ao universo da Dinda.
A imagem do Collor destronado mesclava-se, na memória de lula, as lembranças, ainda frescas, do jogo sujo da campanha. A exploração eleitoral de fatos ligados a sua vida privada, havia irritado e abalado Lula.
O governador gostava também do nome de Tarsso Jereissati, antecessor de Ciro Gomes no governo cearense. E, naquele dia, resolveu “sentir o pulso” de Fernando Henrique. Mais tarde, relataria as suas impressões a integrantes da cúpula do PFL. “Ha pessoas que são picadas pela mosca azul. Enquanto falava com o Fernando Henrique, vi a própria mosca na minha frente.”
Ao deixar o gabinete de Fernando Henrique, ACM cruzou com o deputado Jose Genoino, do PT de São Paulo, que aguardava na ante-sala. Conhecia-o de vista e de fama. Seu filho, Luiz Eduardo Magalhães, líder do PFL na Camara, era interlocutor freqüente de Genoino. Elogiava-o pelo pragmatismo. Integrante da ala moderada do PT, o ex-guerrilheiro Genoino não recusava o dialogo com representantes de legendas ad versarias.
Apos trocas Rápidas e descompromissadas palavras com Genoino, ACM deixou o Itamaraty com duas certezas e uma duvida. As certezas: Fernando Henrique estava louco para ser candidato a presidência e não parecia refratário a idéia de um entendimento com o PFL. Ao contrario, chegou a fazer rasgados elogios a Luiz Eduardo. A duvida: não estava certo de que o interlocutor conseguiria viabilizar-se como candidato. Atado ao Itamaraty, uma pasta de segunda, poderia não decolar. Era, por ora, apenas mais um nome.
As voltas com dúvidas semelhantes as de ACM, Tasso Jereissati não se conformava com o malogro das tentativas de entendimento que mantivera com Lula, este sim um candidato forte a Presidência naquele momento. Repetia a si mesmo uma pergunta que havia feito ao amigo Ciro Gomes, no ano anterior, quando os tucanos estiveram perto de formalizar um entendimento com o PT: “O que está acontecendo com o Lula?”
Não encontravam uma resposta. A idéia do próprio Lula, de realizar uma cruzada em defesa do parlamentarismo, não saia do campo das intenções. Como combinado, Tarsso estava ansioso por iniciar as viagens pelo Brasil. Sequer conseguia atrair Lula para as reuniões em que se traçaria o roteiro dos deslocamentos. O líder petista sempre se saía com uma nova desculpa.
Intrigado, Tasso questionou Lula pessoalmente. Queria saber o que se passava. Lula, esquivando-se, pôs a culpa nos radicais de seu partido. Disse que, contrários ao parlamentarismo, os xiitas petistas o seguravam. O presidente do PSDB conseguiu uma explicação mais razoável do mesmo Jose Genoino que ACM encontrou na ante- sala de Fernando Henrique: “O Lula abandonou a campanha parlamentarista e está usando os radicais como pretexto”, disse Genoino que, como a maioria da bancada de petistas na Camara, articulava o fim do presidencialismo.
Lila equilibrava-se entre as alas radicais e os moderados de seu partido. Inspirava-se em Ulisses Guimarães que, ao dirigir o PMDB, aproveitava-se do conflito entre “autênticos”, como eram chamados os radicais peemedebistas, e moderados. Sempre atuou como síntese. E aí residia seu segredo.
Num almoço em Paris, Lula recebera um conselho do economista Celso Furtado, uma das maiores referencias intelectuais da esquerda brasileira. Jamais o esqueceria. Os dois conversavam sobre estruturas partidárias. E Celso Furtado lhe disse: “Nunca abra mão de seus radicais. Eles dão vitalidade ao partido e, mais importante, indicam o caminho que não se deve seguir”.
Aos risos, Lula recorria a seguinte frase de Furtado sempre que seus próprios correligionários o alertavam para o perigo dos radicais que, lentamente, assumiam mais e mais posições na estrutura de mando do PT. Lula dizia que, sem a sua popularidade, os radicais não eram ninguém. Portanto, estavam sob controle. Baseado nesta autoconfiança, ele se eximia de tomar partido nas reuniões em que as facções petistas derramavam-se em intermináveis discussões, muitas delas envolvendo questiúnculas. Sempre que podia, Lula escapava desse tipo de encontro.
Sem uma palavra de Lula, a definição sobre o sistema de governo acabou submetida a um plebiscito interno do PT. Os presidencialistas venceram com folga. Vingou a tese dos radicais, segundo a qual o parlamentarismo embutia um ardiloso golpe da “burguesia” contra o PT, tão próximo do Palácio do Planalto. Em alta nas pesquisas, Lula, convenientemente, se omitiu.
Era nas pesquisas de opinião que se encontrava a melhor explicação para o fato de Lula ter desprezado a companhia de Tarsso Jereissati, desertando do acerto com o PSDB. Apos um período em que esteve estacionado no patamar de 19%, Lula pulou para confortáveis 25% no segundo semestre de 1992. E, graças ao seu rival político, percorria um movimento de alta.
Lula saboreava precocemente o sabor de vingança. Sua satisfação atingiu o ápice no instante em que, mãos dadas com Rosane, sua mulher, Collor deixou pela ultima vez o Palácio do Planalto. Sob os gritos de “ladrão”( Lula estava de peito lavado, deu o troco traiçoeiro a Fernando Collor por ter exposto a sua imagem ao ridículo na campanha presidencial, estava consumado a armação para tirar o intruso do caminho das “esquerdas”). Foi seu primeiro teste em manipular o povo e colocá-lo na linha de frente contra o presidente. Ao lado de Andrew Johnson, um presidente americano afastado do cargo em 1868, Collor transformou-se no segundo chefe de Estado no mundo a ser retirado do cargo graças a um processo de impeachment. Um significativo detalhe transformaria Collor num caso único: ao contrario de Johnson, que retornou ao posto três meses depois, Collor seria mais tarde extirpado em definitivo da presidência.
Para deleite de Lula, Collor ficou só, exatamente como pedira que não o deixassem. Recolheu-se ao exílio da casa que era de seu pai e onde fez a sua morada oficial a casa da Dinda. Numa primeira fase, teve de abandonar até o Cooper dominical. Passou a correr a noite, para evitar o contato com pessoas alheias ao universo da Dinda.
A imagem do Collor destronado mesclava-se, na memória de lula, as lembranças, ainda frescas, do jogo sujo da campanha. A exploração eleitoral de fatos ligados a sua vida privada, havia irritado e abalado Lula.
A veiculação do depoimento da ex-companheira Miriam Cardoso, em rede nacional de TV, no horário eleitoral, expôs o seu passado da pior maneira. A acusação de que propusera um aborto a Miriam ainda o transtornava. Lurian, a filha do casal, não havia superado o trauma psicológico causado pelo depoimento da mãe.
No calor dos últimos dias de campanha, fazia-se no comitê de Collor a analise psicológica de Lula. Havia um consenso entre os integrantes do comando collorido: o caso Lurian deixara Lula fragilizado. O deputado-pediatra Alcenir Guerra, responsável pela montagem do esquema de fiscalização da contagem dos votos, aventurava-se no campo da psicanálise: “A acusação de Miriam, de que Lula tentou forçá-la a abortar, significa, na cabeça do candidato do PT, que alguém o acusou de tentar matar a própria filha.”
No instante em que Collor decidiu baixar o nível da campanha, seu comitê emitia sinais de desespero. Augusto Montenegro, diretor do Ibope, informava que Lula estava subindo nas pesquisas. Aproximava-se perigosamente de Collor.
Proliferou a tese de que Lula estava sendo “beatificado” pelos eleitores. As platéias do comícios do PT eram cada vez maiores. Os tucanos Pimenta da Veiga, então prefeito de Belo Horizonte, e Mário Covas, senador por São Paulo, engrossaram o palanque de Lula. Logo foram seguidos por outros integrantes do PSDB. Collor foi contaminado pelo pânico de sua assessoria.
“Lula vai ganhar”, previu o sociólogo Marcos Coimbra, dono do instituto Vox Populi.
Collor dava muito credito as previsões de Coimbra. Decidira candidatar-se graças aos dados que ele lhe havia repassado, indicando que sua imagem se encaixava no molde de candidato ideal, detectado pelas pesquisas. A boa impressão levou Collor a contratar o instituto de Coimbra para fazer as sondagens de opinião publica que balizariam o seu discurso durante a campanha.
As previsões pessimistas de Coimbra foram repassadas varias vezes ao comitê de Fernando Collor, onde testemunhavam-se as explosões de irritação do candidato. Ele dava murros em mesas, chutava cadeiras, destratava auxiliares. Coimbra soube, por Leopoldo Collor, irmão mais velho do futuro presidente, que iriam colocar Miriam Cordeiro no ar. Ele desaconselhou. Supunha que o episodio ajudaria Lula, transformando-o em vitima de baixaria.
“Não temos alternativa, respondeu Leopoldo”, convencido de que, com aquele lance, manchariam a imagem “beatificada” de Lula.
Seis meses antes, em junho de 1989, o depoimento de Miriam havia sido desprezado como munição de campanha. Ela apareceu pela primeira vez num dos escritórios de Collor em São Paulo, na rua Curitiba, bairro do Ibirapuera, apresentou-se como mulher de Lula, instigando a curiosidade de Leopoldo. Os dois conversaram longamente, observados por Valmor Bolan, um dos coordenadores da campanha na capital paulista.
Miriam mostrava-se disposta a achincalhar Lula na TV. Porem, ao constatar que não lidava com a mulher, mas com uma ex-companheira de Lula, Leopoldo encarou-a com uma ponta de desprezo, desdenhando da importância de seu depoimento.
Um outro detalhe arrefeceu o entusiasmo inicial de Leopoldo: Miriam era filiada ao PRN, partido de Collor. Exibia um enorme apetite político. Deixava clara a intenção de seguir a carreira, como deputada. Para complicar, insinuava interesse por dinheiro. Momentaneamente esquecida, Miriam acabou sendo ressuscitada por Leopoldo, em meio ao ambiente de tensão que dominava a campanha.
Pelo telefone, Leopoldo pediu a Egberto Batista que levasse para Brasília o depoimento gravado de Miriam. Egberto, a época uma espécie de “faz tudo” da campanha, foi ate um estúdio de gravação no bairro de Moema. Esperava apenas recolher as fitas, que levaria de jatinho para a capital. Encontro, no estacionamento da produtora de vídeo, a própria Miriam, no instante em que destilava raiva contra Lula, diante das câmeras, a serviço de Fernando Collor.
Quando Egberto chegou, as acusações de Miriam Cordeiro já haviam enchido duas fitas de VHS. O restante de ira coube em outras duas fitas. A alegação de que Lula havia proposto que fizesse aborto soava elogiosa, perto de outros trechos do depoimento.
Fora do alcance da câmera, uma “repórter” fazia perguntas a Miriam. Voz carregada de ressentimento, testa franzida, ela investia pesado contra o homem com o qual tivera uma filha. Disse que Lula tinha preconceito contra negros. Chamou-o de carreirista. Afirmou que ele não hesitou em atropelar companheiros para ascender na carreira sindical. Apresentou-o como alcoólatra e mulherengo.
Miriam estava perturbada. Teve inúmeras crises de choro, interrompendo a gravação. Trouxeram-lhe TRÊS copos de água com açúcar. Concluída a coleta do seu testamento, Egberto seguiu com as fitas debaixo do braço. Protegido a distancia por dois seguranças, armados de metralhadoras, ele despachou o material para Brasília. Nos últimos dias de campanha, receosos de que pudessem ser vitimas de represálias, os principais assessores de Collor foram protegidos por oficiais da P2, a parte secreta da policia militar de São Paulo. Em Brasília, sob a supervisão pessoal de Leopoldo Collor, o publicitário Chico santa Rita, homem de comunicação de Orestes Quércia, selecionou o trecho da fala de Miriam que acabou sendo exibido na televisão e no radio. Instado a pôr Lurian e a mãe de Miriam no ar, Lula, abalado, recusou a idéia. “Esse é assunto meu”. (E foi mesmo, no silencio e com astucia, derrubou Collor da presidência anos depois). Lurian chegou a comparecer ao estúdio. Queria dar um depoimento em favor do pai ( no fundo, para ele Lula, era muito pouco. A cobra sabe esperar a hora certa de dar o bote). Mas Lula permitiu apenas que permanecesse ao seu lado no vídeo.
Quanto a avó da menina, não consentiu que falasse.
A vida de Miriam Cordeiro virou um inferno. Sua casa foi apedrejada. Discou para Egberto Batista, as TRÊS e meia da madrugada: “Estou falando de um orelhão. Estou no paco municipal, em São Bernado”, disse Miriam, aos prantos. Ela contou que sua casa havia sido praticamente destruída. Conseguira fugir com os dois filhos, mas tinha receio de ser linchada. Pediu socorro.
Apos consultar Leopoldo, Egberto orientou-a a dirigir-se ao mesmo comitê de campanha de Collor em São Paulo, na Rua Curitiba, onde encontrou-a de pijama, protegida pelos agentes da P2, que acionara antes de sair de casa. A partir dali, Miriam teve a vida transformada. Foi morar num flat e não lhe faltou mais dinheiro. O cheque que pagou seus primeiros dois dias no hotel foi emitido pessoalmente por Egberto Batista.
No primeiro debate com Lula, Collor esperava triturar o adversário. Mas, nervoso, saiu-se muito mal. O contraste entre o histórico escolar de Collor – possuía graduação universitária em economia – e o currículo ridículo de Lula – tinha o primário incompleto – transformou o candidato do PT numa espécie de Davi, em luta contra o gigante Golias.
A aparente desvantagem de Lula terminou por ampliar seu feito. Os meios de comunicação registraram o seu bom desempenho como um importante trunfo para o PT. A desenvoltura de Lula ofuscou a pecha de despreparo, que Collor tentava grudar em sua trajetória. O último debate, nos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo, duas semanas depois, seria a revanche de Collor.
A exploração do caso Lurian foi apenas a ponta de uma calculada operação. O plano, montado no comitê de campanha de Collor, objetivava o massacre psicológico de Lula. Um massacre que ajudaria a explicar, depois, o péssimo desempenho do candidato petista no ultimo e decisivo debate televisivo.
Dias antes do debate, a equipe de Collor inundou Brasília com um boato. Vazou-se estrategicamente a informação de que o comitê colorido havia obtido uma foto em Lula aparecia abraçado a amante, uma psicanalista conhecida em Brasília pelo apelido de Zeca.
Lula gelou. Pouquíssimas pessoas sabiam do seu relacionamento com Zeca. Os petistas mais chegados o aconselhavam, desde o inicio da campanha, a ser mais discreto. Deveria evitar aparições publicas ao lado de Zeca. Se possível, romper o relacionamento. Morena. Olhos claros, a psicanalista chegou a acompanhá-lo em algumas de suas viagens de campanha.
Mais um baque contra Lula, no auge de sua fragilidade, com os ataques de Miriam Cordeiro e o abalo emocional de Lurian. O seleto grupo que tinha conhecimento de seu caso extraconjugal incluía, supremo azar, o deputado Bernardo Cabral, ex-relator do Congresso Constituinte.
Aliais, foi durante a Constituinte que Lula aproximou-se de Cabral.
Tinha-o como uma espécie de confidente, a quem confiava detalhes sobre a paixão de Zeca e o receio de que o relacionamento pudesse interromper seu casamento com Miriam.
Uma particularidade uniu-os de vez. Cabral mantinha na época um relacionamento amoroso com a jornalista Marilena Chiarelli, amiga de Zeca. Os dois casais freqüentavam juntos a noite de Brasília. Lula suspeitava que, numa dessas ocasiões, a fatídica foto poderia ter sido batida. Recordava-se em especial de uma festa, na casa do então deputado Virgilio Guimarães, durante a Constituinte, em que, descontraído pelo uísque, desfilara despreocupadamente ao lado de Zeca.
Uma segunda suspeita embatucava a cabeça de Lula: o neocollorido Bernardo Cabral devia ser o informante de seu adversário. Após a vitoria de Collor, a nomeação de Cabral para o Ministério da Justiça consolidou suas desconfianças. Na sua cabeça, Cabral conquistara o posto como “premio” pela delação. Alcenir Guerra, aliado de Collor desde os primeiros momentos da campanha, confidenciaria mais tarde, a alguns petistas, que Cabral forneceu ao comitê uma foto de Lula com a amante.
Incomodado com o clima de vale-tudo, Lula esforçou-se para rememorar em quais lugares estivera com a namorada. Na manha do dia em que se realizaria o ultimo debate, Lula voou para Brasília. Teve um encontro com a direção da CNBB, participou de reuniões e compareceu ais estúdios da produtora Ema Vídeo, para gravar programas eleitorais.
A pedido de Lula, a jornalista Marilena Chiarelli, que já havia rompido o relacionamento com Cabral, foi ao seu encontro. Associou-se ao esforço de memória do candidato. Inútil. Não tinham certeza sobre a possibilidade de, casualmente, terem sido flagrados por uma maquina fotográfica.
A assessoria de Lula recebia sugestões para que fizesse Collor dançar no mesmo ritmo. Encaminharam-se ao comitê de campanha do PT indícios do suposto envolvimento de Collor com drogas. Dizia-se também que, na juventude, participara de orgias sexuais.
Os petistas obtiveram a informação da existência de uma foto em que Collor aparece fumando maconha numa festa, havia também um dossiê preparado pelo PDT. Numa fase em que ainda tinha esperanças de passar para o segundo turno das eleições, o partido de Leonel Brizola preparou-se para a guerra. Mas não colheu uma única prova concreta contra Collor. Apenas insinuações, indícios.
Lula retornou a São Paulo de jatinho. No aeroporto, cruzou com o jornalista Alberico Souza Cruz, diretor de jornalismo da Rede Globo, que também chegava da capital federal para coordenar a cobertura do debate. Três detalhes sobreveriam ao tempo, na memória de Alberico: Lula estava acompanhado de frei Betto, fumava um charuto cubano e tinha o semblante cansado.
Alberico reteve também um numero: Lula contou-lhe que havia participado de 16 reuniões naquele dia. O jornalista fez ar de espanto. Diria mais tarde que, se fosse assessor de Lula, jamais teria permitido que se desgastasse daquele modo no dia do debate. “Eu o esconderia num mosteiro”, afirmou.
O telefone tocou na casa de Lula, em São Bernado, no instante em que saia, com a mulher Marisa, para o debate. Era um assessor da liderança do PT em Brasília, colhido por mais um boato espalhado pela turma de frente de Fernando Collor. Ele pediu que fossem repassada a Lula doas imformacoes. A primeira: Collor levaria para o debate a foto que exibia Lula ao lado da amante. E ameaçava mostrá-la para todo o pais, através das câmeras do pool de emissoras que transmitiriam o debate. A segunda bomba:Collor entraria no estúdio acompanhado de Miriam Cordeiro.
No trajeto ate os estúdios da Bandeirante, Lula ouviu frases exaltadas de sua mulher: “Se essa piranha entrar la eu cubro ela de porrada”, disse Marisa, referindo-se a Miriam Cordeiro. Lula pedia, inutilmente, calma. Ele próprio não ostentava a tranqüilidade que cobrava de Marisa.
Collor entrou no estúdio com pastas amarelas numa das mãos. Depositou-as sobre a bancada que lhe fora reservada, Numa delas, Lula supunha que poderia estar a constrangedora foto.
No meio da disputa verbal que tratavavam, Collor disparou uma frase aparentemente sem sentido. Ninguém entenderia seu comentário, exceto ele próprio e Lula. Milionário, Collor disse que seu rival tinha, em casa um aparelho de som “três-em-um” que ele não teria condições de adquirir.
A frase tinha endereço certo. Lula dera de presente a Zeca um aparelho de som. Repassada a Collor, pelo informante que o PT suspeitava chamar-se Bernardo Cabral, a informação ajudou a compor o ambiente de guerra psicológica que derrubaria Lula naquele debate.. Collor acabou não exibindo foto alguma. Miriam Cordeiro tampouco apareceu no estúdio. Apático, atingido pela artilharia adversária, Lula perdeu o debate. E, em seguida, a eleição.
Essas lembranças pareciam amenas no instante em que Collor despedia-se definitivamente, e com humilhação, do Planalto. Mas tinham sido particularmente dolorosas em sua casa, assistindo a posse do novo presidente, na solidão do dia 15 de marco. Ainda moía-se em culpa pela derrota. Tivesse demonstrado melhor desempenho no debate, o destino poderia ter sido diferente.
Ao contrario do que ocorrera na primeira batalha verbal que travara com Collor, sua péssima atuação havia produzido um desfecho diferente para a analogia extraída da bíblia. O gigante Golias, desta vez, pisoteou o nanico Davi. Não fosse por aquele fiasco, poderia estar do outro lado da tela, provavelmente sendo observado, de um aparelho de TV instalado na Casa da Dinda, por um deprimido Fernando Collor.
Aloizio Mercadante consolou-o com um comentário. Evocou o exemplo do presidente Frances François Miterrand, eleito depois de acachapantes derrotas. Lula emendou: “Nossa revanche serra em 1994”.
Com a queda do presidente Fernando Collor, Lula experimentou o gosto precoce da revanche. Revanche articulada por eles mesmo na mesma moeda do titi comum no meio de certos tipos de brasileiros recalcados e bajuladores que serviam aos dois lados, o que os torna felizes interiormente quando realizam as suas articulações contendo fundo de verdade ou não. Assim foi feito uma sutil campanha contra o novo presidente, para desde os primeiros dias de seu governo desestabilizá-lo para isso contou com todo os tipos de indivíduos, como o presidente queria agradar todos os lados políticos pós poder de um grupo de militares, enfraqueceu o serviço nacional de informações e assim ficou mais ou menos a deriva o que facilitou ao adversário aplicar um xeque-mate minando todas as correntes, mídia, políticos e sociedade de modo geral.
O PT brilhou na Comissão Parlamentar de Inquérito que levou ao impeachment. Natural que Lula, o mais notório anti-Collor, subisse nas pesquisas, desinteressando-se do parlamentarismo, com o qual teria, na melhor das hipóteses, de dividir o poder com um primeiro ministro indicado por outro partido.
O ambiente de euforia ética produzido pelas denuncias (depois não comprovadas confirmando que o impeachment foi um golpe articulado em varias frentes) contra os ocupantes da Casa da Dinda e a chamada “Republica de Alagoas” davam um novo molde a disputa pelo Palácio do Planalto. Mudavam o comportamento de personagens como Paulo Maluf, que em meio a disputa pela prefeitura de São Paulo, estava atento aos novos ares que sopravam em Brasília.
Em 1990, ele havia se encontrado com um Collor recém-eleito. Aproveitando-se da condição de padrinho do primeiro casamento do presidente, pediu o seu apoio para a disputa ao governo de São Paulo, estava atento aos novos ares que sopravam em Brasília.
Deixou-se fotografar entregando a Collor sua proposta de programa administrativo. Perdeu. Dois anos depois, candidatou a prefeito, Maluf voltou a Brasília. Desta vez, para articular a adesão do PPR, seu partido, ao impeachment de Collor. Ganhou.
Os fatos que se misturavam, depois de aceito o pedido de impeachment, no final de agosto de 1992, iam compondo o novo desenho da sucessão. Itamar Franco convocou os partidos para a formação do seu governo. Havia um clima de “união nacional”. O novo presidente queria ter todos os partidos do seu lado.
Por intermédio de um amigo comum, sondou dois deputados petistas. A Paulo Delgado ofereceu o Ministério da Educação. A João Paulo Pirea a pasta do Trabalho. Seguindo as normas partidárias, que exigiam uma consulta previa a cúpula do partido, recusaram. Mas estavam dispostos a aceitar, imaginando que o governo seria um aliado do PT na sucessão de 1994.
Lula indicou dois nomes: para o trabalho, Walter Barelli, um economista que se notabilizou pela defesa das reivindicações sindicais. Para a Justiça, o jurista Raimundo Faoro. Ele defendia a tese de que Itamar Franco deveria nomear “22 jatenes”, numa referencia ao ex-ministro da saúde de Collor, o cardiologista Adib Jatene. Apenas um dos nomes apontados por Lula foi aproveitado: Barelli.
Dessa fornada saiu Fernando Henrique que, enfim, atingia um antigo desejo, postergado desde os tempos de Tancredo Neves: o Itamaraty. Foi um dos poucos a merecer os aplausos de Lula.
Ninguém se espantou com a indicação de Fernando Henrique que, a medida da derrocada de Collor, aproximava-se de Itamar Franco, discutindo alternativas para um eventual vazio na Presidência. Ate então, eram distantes. Fernando Henrique via em Itamar um homem de bem, mas de inteligência muito limitada, teimoso ao extremo, apegado a idéias antigas.
Os contatos tornaram-se cada vez mais freqüentes. Fernando Henrique serviu como uma das pontes entre Itamar e o PSDB. E, como premio, ganhou o Itamaraty. “Ele queria há tanto tempo”’ dizia Itamar, apontando como uma qualidade de seu chanceler um fato que, em sua visão de solido monoglota, configurava-se como algo inatingível: “Ele fala inglês e Frances”. Era como dizer : ele só serve para isso, é o que sabe de melhor na vida. No fundo era uma cutucada no espírito político do café com leite. Minas e São Paulo.
Para a irritação de Itamar Franco, a imprensa não lhe deu trégua. Saiu batendo na nova equipe, salpicada de amigos pessoais, sem a menor expressão. Diante de artigos de jornais, Itamar disparava desabafos e palavrões. O mínimo que dia dos jornalistas é que eram “filhos de puta”.
Por sua respeitabilidade entre os formadores de opinião, Fernando Henrique estava longe das criticas da imprensa e, cada vez mais, Itamar Franco consultava-o para assuntos que nada tinham a ver com diplomacia. Um dia, o chanceler flagrou-se no meio de uma demorada reunião sobre créditos agrícolas. Nas suas conversas mais intimas, Fernando Henrique desabafava: “Isto vai acabar mal”.
Ele via a inflação subir, a credibilidade do governo ruir e espantava-se com o que chamava de “atordoante mediocridade” da assessoria mais próxima de Itamar franco, o chamado “Grupo de Juiz de Fora”. Gostava do Ministério das Relações Exteriores, mas suspeitava ter entrado numa armadilha, que acabaria por desgastá-lo, inviabilizando sua reeleição ao Senado.
Lula também suspeitava que o governo Itamar naufragaria. E, mais uma vez, serviu-se pelos bastidores dos radicais de seu partido, usando-os como pretexto para se afastar do governo. A liderança na Câmara foi obtida pelo deputado Vladimir Palmeira, representante dos radicais e defensor da idéia de que Itamar Franco simplesmente prosseguia o governo Collor. A tese ganhou por pequena diferença no Diretório Nacional.
Uma tese conveniente a Lula, convencido de que Itamar Franco, ao afundar, levaria junto quem estivesse por perto ( isto e um caráter bem típico da maioria dos políticos oportunista do Brasil. Não tem personalidade própria, jogam com interesses próprios e não de uma coletividade que os elegeu). A inflação alta era sonorizada por uma sucessão de trombadas ministeriais, melhor, portanto, ficar a “salvo” na oposição, espaço onde o PT cresceu e prosperou. E não queria que alguém se apropriasse do nicho oposicionista, a exemplo do que fez Fernando Collor, em 1989, batendo duro em José Sarney.
O partido imaginava que seu grande inimigo surgia das urnas, naquele ano de 1992. Ao vencer o senador Eduardo Suplicy, tirando o PT da Prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf passou a trabalhar imediatamente pela Presidência.
Todas as previsões do partido se baseavam na suposição de que a disputa seria polarizada entre Lula, representando a “esquerda”, formado na luta contra o regime militar, e Paulo Maluf, a “direita”. Uma disputa que, reconheciam, iria dar muito trabalho, como apontava o documento “Projeto PT 2 000”. Rapidamente, as pesquisas projetariam Maluf em segundo lugar nas pesquisas.
Já na sua eleição a Prefeitura, Maluf obteve aliados a esquerda, originários do antigo PCB, entregando-lhes uma secretaria da cultura. Investiu no PSDB, acenando com a secretaria da Saúde. Foi recusada. Logo se integraria a campanha parlamentarista ao lado dos tucanos.
Ao mesmo tempo, emitiu os primeiros sinais amigáveis para seu arqui-adversário, o governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães. Pelos bastidores, não apenas indicava estar disposto a esquecer as brigas do passado, mas que entregaria a vice ao PFL. Insinuava preferência pelo nome de Luiz Eduardo Magalhães, filho de ACM.
Dai a atenção reverencial de Lula com tucanos como Fernando Henrique Cardoso, Jose Serra e Mario Covas. Quércia tê-los mais uma vez no palanque da sucessão, dando um aspecto moderado ao PT e reduzindo resistências na área empresarial e junto a classe média. Só que agora os tucanos estavam empoleirados no governo, ocupando ministérios estratégicos.
Com habilidade, Lula encenava oposição a Itamar Franco, mas não a ponto de afastar em demasia de seus potenciais aliados contra Paulo Maluf. O equilíbrio tornou-se ainda mais difícil em 20 de janeiro de 1993. Sem consultar a cúpula do partido, Itamar Franco convidou Luiza Erundina para ocupar o Ministério da Administração.
Lula soube pelos jornais e se queixou ao líder do governo no Senado, Pedro Simon:
- Essa coisas não deveriam ser tratadas pelo jornais. Se o governo quer convidar a Erundina, deveria antes procurar o partido.
Simom perguntou:
Mas se o convite for feito, vocês concordam?
Alguns segundos de silencio. E Lula respondeu:
Eu peço que vocês não me criem esse constrangimento.
Erundina justificou que sentia-se no”dever” de ajudar o governo Itamar. Seus inimigos no partido atribuía-lhe uma intenção menos
nobre: precisava empregar seus assessores dos tempos da prefeitura, agora desempregados com a vitoria de Paulo Maluf. Precisava também de um palanque para costurar sua candidatura ao governo de São Paulo.
nobre: precisava empregar seus assessores dos tempos da prefeitura, agora desempregados com a vitoria de Paulo Maluf. Precisava também de um palanque para costurar sua candidatura ao governo de São Paulo.
A ex-prefeita não deu ouvidos as exigências do partido, que pressionava para que recusasse o convite. Tomou posse na presença de uns poucos representantes do PT. Depois, comandou uma caravana de 52 convidados para um rodízio na churrascaria Porteira dos Pampas, a beira do Lago Norte de Brasília. A própria Erundina propôs que cada um pagasse a sua parte. Com uma caneta Mont Blanc, preencheu um cheque do Banespa, pagando a conta para sete parentes. Um ar de festa cobria-lhe o rosto.
Não havia, porem, ambiente para comemorações. Ouvia-se uma gritaria generalizada no PT. Os radicais exigiam sua imediata expulsão. Chamavam-na de traidora. Lula encontrou o caminho do meio: não lhe interessava virar governo e, muito menos, brigar de forma definitiva com Itamar Franco. Erundina foi apenas suspensa.
O PT estava mais suave. Não era o mesmo partido que, em 1984, descartou os parlamentares que votaram em Tancredo Neves na eleição indireta. O partido virava, pouco a pouco, uma opção de poder. E trocava as mirabolantes promessas de campanha pelo realismo da administração publica.
Erundina era um magnífico exemplo. Antes de ser prefeita, enfileirava-se entre os radicais. Com um discurso revolucionário marxista ( parte dos chamados – comunistas - como nisso ), estimulava a invasão de terrenos na marra. Por seu excesso, não teve apoio dos moderados e nem de Lula quando se candidatou a prefeitura, disputando contra Paulo Maluf.
No dia-a-dia da administração, acabou brigando com o partido. Viu, do outro lado do balcão, as maluquices de algumas lideranças de se seu partido. Aprendeu, por exemplo, que os aumentos das passagens de ônibus, um dos temas preferenciais de sua campanha, tinham mesmo de ser dado. Descobriu, contrariada, que o orçamento impunha limites aos seus desejos e que deveria negociar na Câmara dos vereadores, fazendo concessões.
A evolução de Erundina sinalizava o aprimoramento de um amplo segmento do PT. Em 1982, a bancada petista na Câmara exibia minguados seis deputados federais. Pulou para 16 na eleição de 1986, chegando a 34 em 1990. Ao iniciar 1993, o PT empossou 52 prefeitos, alguns deles em capitais importantes como Porto alegre, Belo Horizonte e Vitoria. Antes, tinha apenas 35. Estes números significaram também empregos para a militância nas Câmaras Municipais, Assembléias, Congresso e Prefeituras.
O mundo estava bem diferente. Os regimes comunistas se despediam melancolicamente. Cultivada como um dos símbolos do PT, Cuba agonizava depois do fim da União Soviética, vendo surgir em suas ruas meninas prostitutas e desaparecerem os alimentos das prateleiras.
Os novos ares que embalavam o PT ressaltaram uma coincidência de datas, um minúsculo detalhe que não passaria despercebido. O calendário pousado sobre a mesa presidencial marcava 9 de fevereiro de 1993. Lula pós, pela primeira vez, os pés no tapete que forra o gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Dividiu com Itamar Franco algumas goladas numa cachaça curtida, do interior de Minas Gerais. No dia seguinte, o PT, nascido na mesa de um restaurante simples de São Paulo, completaria 13 anos.
Acompanhado do Deputado Aloizio Mercadante e do senador Eduardo Suplicy, Lula não estava ali para expor reivindicações impossíveis de serem realizadas. Trazia uma solução simples. Levou um programa de combate contra a fome, engendrado por seu governo paralelo. Dias depois sugeriria o nome de Herbert de Souza, o Betinho para coordenar a campanha.
Não era o primeiro gesto de boa vontade. O partido já tinha colaborado no Congresso para aprovação do imposto sobre o cheque, o IPMF, desgostando a CUT, seu braço sindical. Para atacar o novo imposto, a CUT chegou a aliar-se com os empresários.
Nesse jogo, ter uma ministra com carteirinha do PT não incomodava muito. Até o instante em que o governo descobriu-se no centro de um tiroteio monumental. Explodiu a suspeita de que Eliseu Resende favorecera a construtora Norberto Odebrecht, da qual fora funcionário. A empreiteira estava entre as figuras carimbadas de muitas das investigações sobre o relacionamento promiscuo entre poder econômico e governo.
Refletindo o ambiente em seu partido e de olho na sua candidatura ao governo de São Paulo em 1994, Erundina ameaçou pedir demissão, caso Eliseu não fosse expelido. Passou a acusar conivência com corrupção no núcleo da assessoria palaciana e, para completar, perfilou-se ao lado de servidores públicos em greve – justo ela, que deveria tentar acabar com a greve.
Enquanto Fernando Henrique voava de Tóquio para Nova York, onde o aguardava o brinde na casa do embaixador Sardenberg, um furioso Itamar resolveu demiti-la. Erundina, porem, provocaria mais barulho ao sair do que entrar no governo. Provocou um bate-boca ministerial raras vezes visto numa Brasília acostumada a bate-bocas.
Ela acusou conivência do governo com corrupção, referindo-se ao chefe do Gabinete Civil, Henrique Hargreaves, e a Mauro Durante, secretário-geral da Presidência. Foi o suficiente para detonar a baixaria.
“Esta senhora tem 69 processos nas costas. Não tem autoridade para criticar ninguém. Está mais suja do pau de galinheiro”, atacou o advogado Jose de Castro, um dos amigos mais próximos de Itamar, esquecendo-se de que aquele currículo comprometeria não apenas sua dona, mas qualquer pessoa que, como Itamar, a tivesse convidado para um posto de nível ministerial.
Sem saber que provocaria a fúria das feministas, Hargreaves disparou:” Quem mandou o governo se meter com mulher feia”.
Não ia parar aí. Dias depois, Erundina chamou o presidente de “burro”. Itamar revidou: “Ela tem razão. Fui burro quando a nomeei”.
A troca de gentilezas ganhou as manchetes de jornais, afastou o PT do governo, mas não impediu que prosseguisse o espírito conciliatório de Lula, inspirado numa frase que apreciava, de Ulysses Guimarães: “Não fique tão próximo de alguém que o impeça de brigar. E tão longe que o impeça de fazer as pazes”.
Estimulada pelo PT, a pressão pela queda de Eliseu Resende tirou Fernando Henrique dos requintados e amenos salões diplomáticos, acomodando-o bem próximo do olho do furacão. Lula não sabia direito se o via, como um adversário na sucessão ou como um aliado no segundo turno quando, ainda supunha, disputaria com Paulo Maluf.
A duvida expressava a imagem de Fernando Henrique entre os políticos profissionais: alguém sem perfil para entrar na disputa presidencial. Faltava-lhe a indispensável obsessão de quem molda toda uma vida em função desse objetivo ano após ano. Esse perfil se encaixava em figuras como Leonel Brizola, Orestes Quércia, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Antonio Carlos Magalhães.
O relacionamento entre PT e o PSDB mudou. Distanciaram-se no plebiscito que, em 21 de abril, aprovaria o presidencialismo com ampla vantagem de votos. O acordo de união na campanha de 1994, nos moldes parlamentaristas, estava estraçalhado. Os tucanos estavam ressentidos. Os ataques do PT ao governo distanciavam ainda mais as duas legendas.
Os canais de comunicação estavam, no entanto, longe de se entupirem. Tasso Jereissati prosseguia conversando com Lula pelos bastidores. E, com a indicação de Fernando Henrique para a pasta da Fazenda, acenou com o perigo de crise institucional, caso a inflação explodisse. Aproveitava para insinuar uma chantagem – se quisesse ter apoio dos tucanos no segundo turno, o PT não poderia inviabilizar o plano de combate a inflação.
Longe dos petistas, Tasso raciocinou com Ciro Gomes: “Se o plano der certo, o Fernando Henrique é o nosso candidato”.
Uma inesperada e discreta visita de Mercadante ao Ministério da Fazenda, quando Fernando Henrique ainda mal se acostumara com o estofado verde de couro de sua cadeira, indicaria que Lula ainda tendia a vê-lo como aliado.
INFLACAO E RENUNCIA ( Parte III ) Não perca a continuação desta história real
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